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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0086796-91.2019 (Acordão do Conselho da Magistratura)
Relator: Salim Schead dos Santos
Origem: Itapema
Orgão Julgador:
Julgado em: Mon Mar 15 00:00:00 GMT-03:00 2021
Classe: Recurso Administrativo

 

ACÓRDÃO



Recurso de Apelação n. 0086796-91.2019.8.24.0710



Relator Conselheiro: Des. Salim Schead dos Santos



RECURSO DE APELAÇÃO. SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA. REGISTRO DE IMÓVEIS. PEDIDO DE AVERBAÇÃO DA NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL DE ENCERRAMENTO DE COMODATO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. ARTIGO 167, II, DA LEI 6.015/73 ROL EXEMPLIFICATIVO E NÃO TAXATIVO. OBSERVÂNCIA DA NORMA EXTENSIVA CONTIDA NO ARTIGO 246 DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS. SEGURANÇA JURÍDICA. ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA REGISTRAL. EXPRESSÃO FIDEDIGNA DA REALIDADE DO IMÓVEL. DÚVIDA IMPROCEDENTE. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO.



 
 
 



              Vistos, relatados e discutidos estes autos de recurso administrativo n. 0086796-91.2019.8.24.0710, em que é recorrente Predial e Administradora de Bens Hotéis Plaza S/A:



              ACORDAM, em Conselho da Magistratura, por votação unânime, dar provimento ao recurso.



              Participaram do julgamento, realizado no dia 8 de março de 2021, presidido pelo Exmo. Sr. Des. João Henrique Blasi, os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Desembargadores Salim Schead dos Santos (relator), Soraya Nunes Lins, Volnei Celso Tomazini, Dinart Francisco Machado, Roberto Lucas Pacheco, Carlos Adilson Silva, Odson Cardoso Filho, Hélio do Valle Pereira, Júlio César Machado Ferreira de Melo e José Agenor de Aragão.



              Atuou como representante do Ministério Público o Excelentíssimo Senhor Procurador de Justiça Mário Luiz de Melo.



              Florianópolis, 8 de março de 2021.  



Conselheiro Des. Salim Schead dos Santos



Relator 



              RELATÓRIO 



              Predial e Administradora de Bens Hotéis Plaza S/A interpôs o presente recurso de apelação em face da sentença prolatada na Suscitação de Dúvida n. 0086796-91.2019.8.24.0710, da comarca de Itapema.



              O recurso é originário de uma suscitação de dúvida apresentada pelo interventor responsável pelo acervo do cartório de registro de imóveis da comarca de itapema, em decorrência da negativa de averbação de cancelamento de comodato, protocolada sob o n. 68301, guia n. 32682, de 2 de julho de 2015.



              O rito de tramitação do procedimento de registro no cartório de títulos e documentos foi integralmente cumprido. 



              Ao receber o título, o delegatário apresentou nota devolutiva sob o argumento de que a documentação apresentada não se encontrava elencada no rol dos incs. I e II do art. 167 da Lei 6.015/1973, cuja enumeração é taxativa, fato que embasa a negativa de acesso ao Registro de Imóveis (documento n. 2736080, folha 3).



              A Predial e Administradora Hotéis Plaza S/A, apresentou impugnação à exigência e requereu que fosse iniciado o procedimento de dúvida, em consequência a imediata averbação da extinção do comodato e seus acessórios (documento n. 2736090).



              Intimado, o Ministério Público na comarca de Itapema, manifestou-se pela procedência da suscitação de dúvida, assentindo com a negativa exarada pelo Interventor do Ofício de Registro de Imóveis daquela comarca, "porquanto, malgrado a ordem jurídica pátria preveja direitos obrigacionais registráveis, uma notificação extrajudicial, estranha ao rol aludido, não tem potencial para declarar, constituir, modificar, transferir ou extinguir um direito real" (documento n. 2736126).



              A recorrente foi devidamente intimada e apresentou sua impugnação à dúvida (documento n. 2736128).



              Foi prolatada a sentença, em que a magistrada de primeiro grau, julgou procedente a dúvida, e em consequência manteve a negativa da averbação da notificação de extinção do comodato, por entender que o rol do inc. II do art. 167 da Lei nº 6.015/1973 é taxativo e não admite interpretação analógica ou extensiva, ante o princípio da tipicidade, sob pena de ineficácia do registro (documento n. 2736172).



              Em sua peça recursal, o apelante reafirmou o seu entendimento de que é possível a averbação de cancelamento do comodato e pontuou que:



              (i) o contrato de comodato é passível de averbação na matrícula imobiliária (artigo 685, inciso V, do Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça de Santa Catarina), sendo irrelevante o fato de não constar no rol do artigo 167 da Lei n. 6015/73; 



              (ii) o registro imobiliário contempla não só direitos reais como também direitos obrigacionais de diversas origens; 



              (iii) a notificação extrajudicial é título hábil ao registro imobiliário (artigo 221, inciso II, da Lei n. 6.015/73) e forma lícita para veicular o ato que constitui seu conteúdo, a resilição unilateral do contrato; 



              (iv) o princípio da concentração impõe que todo fato jurígeno ou ato jurídico relativo e relevante para a situação jurídica do imóvel seja noticiado na matrícula imobiliária, caso da extinção de contrato que permanece averbado na matrícula imobiliária; 



              (v) o princípio da continuidade registral impõe o cancelamento de averbação que não mais corresponde à realidade, por extinção do ato que constitui seu objeto; 



              (vi) pelo princípio da segurança jurídica, que é a razão primordial da existência dos registros públicos, não se admite que eles veiculem informação dissociada da realidade. 



              Por fim, requereu a reforma da sentença e a anulação da decisão recorrida (documento n. 2736283, folhas 12/13).



              O delegatário apresentou contrarrazões (documento n. 2736310).



              Em decisão monocrática, a Excelentíssima Desembargadora Maria do Rocio Luz Santa Rita, decidiu não conhecer do recurso e determinar a sua redistribuição para este Conselho da Magistratura (documento n. 2736350).



              Já em segundo grau, o Ministério Público foi ouvido, e expressou o entendimento de que o recurso deve ser desprovido e a sentença de primeiro grau mantida, uma vez que a negativa formulada pelo interventor se mostra acertada (documento n. 4753321).



              É a síntese do necessário.



               
 



              VOTO 



              Cuida-se de Recurso Administrativo interposto por Predial e Administradora de Bens e Hotéis Plaza S/A, em Suscitação de Dúvida n. 0086796-91.2019.8.24.0710, da comarca de Itapema.



              A controvérsia dos autos está centrada na negativa de averbação de cancelamento de comodato por parte do registro de imóveis de Itapema, em relação ao imóvel matriculado sob o n. 9.659.



              A respeito do assunto em caso exatamente igual, este e.Conselho da Magistratura, manifestou-se recentemente:  



RECURSO ADMINISTRATIVO. SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA. PRETENDIDA AVERBAÇÃO DA "NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL DE ENCERRAMENTO DE COMODATO" SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. PLEITO DE AVERBAÇÃO. SITUAÇÃO QUE DEVE SER ACOLHIDA. AMPARO LEGAL PARA PROCEDER A AVERBAÇÃO QUE NÃO SE RESTRINGE AO ART. 167, II, DA LEI N. 6.015/73. ROL EXEMPLIFICATIVO E NÃO TAXATIVO. OBSERVÂNCIA DA NORMA EXTENSIVA EXISTENTE NO ART. 246 DA MESMA LEI. AVERBAÇÃO DA NOTIFICAÇÃO NA MATRÍCULA DO IMÓVEL QUE DEVE SER PERMITIDA. LEGALIDADE DO ATO. DIREITO DOS CONSUMIDORES À INFORMAÇÃO E À TRANSPARÊNCIA. PODER GERAL DE CAUTELA. "Ressalto ainda que, ao contrário do que sustenta a recorrente, o amparo legal para proceder à averbação não se restringe ao art. 167, II, da Lei  6.015/1973,  porquanto  o  rol nele estabelecido não é taxativo,  e  sim  exemplificativo,  haja vista a norma extensiva do art. 246 da mesma lei. 9.  Na hipótese, a averbação serve para tornar completa e adequada a informação sobre a real situação do empreendimento, o que se coaduna com a finalidade do sistema registral e com os  direitos  do consumidor. 10. Ademais, tal medida está legitimada no poder geral de cautela do julgador (art.  798 do CPC),  que,  a  par  da  decisão  liminar, considerou-a  adequada  para  assegurar  a necessária informação dos adquirentes acerca do litígio existente." (STJ, REsp nº 1161300/SC, julgado pela Segunda Turma, (Relator Ministro Herman Benjamin, DJe 11-5-2011).



DUVIDA IMPROCEDENTE. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO.  (Recurso Administrativo n. 0016960-94.2020.8.24.0710, Itapema, Relator: Des. José Agenor de Aragão, julgado em 7/12/2020).  



              Do corpo do voto, colhe-se o entendimento de que:  



Acerca do tema, sabe-se, a principal função da averbação é "conferir publicidade e autenticidade aos atos que porventura modifiquem anterior registro".



Colhe-se do inc. II do art. 167 da Lei 6.015/1973 a previsão de 33 situações a serem averbadas na matrícula. Ocorre que referido inciso não é taxativo como quer fazer crer, pois extrai-se do art. 246 de referido diploma legal que "além dos casos expressamente indicados no item II do art. 167, serão averbadas na matrícula as sub-rogações e outras ocorrências que, por qualquer modo, alterem o registro".



Senão bastasse, o Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Santa Catarina, no art. 685 estabelece que, além das previsões legais específicas, se averbarão, na matrícula ou no registro de transcrição, para mera publicidade, 12 outras situações, dentre elas o contrato de comodato, desde que satisfeitas as condições gerais de conteúdo e forma (inc. V).



A partir desse contexto, denota-se que o rol previsto no inc. II do art. 167 da Lei 6.015/1973 não é exaustivo, logo admissível averbação de situações não elencadas no referido inciso (sem grifo no original).  



              Sabe-se que a razão principal da existência do cartório de registro de imóveis é a garantia da segurança jurídica à concretização das transações econômicas que envolvam imóveis, em especial por meio de três fatores principais, que são: 



              a) a correta qualificação registral imobiliária, para o melhor controle da situação jurídica do imóvel; 



              b) a boa prática  na produção dos atos de registro e averbação com o fim de produzir uma informação jurídica a respeito do imóvel de forma mais completa e segura; e,



              c) o fornecimento de informações qualificadas a respeito do imóvel para qualquer interessado, garantindo a efetiva publicidade das informações registrais.



              É o que se colhe da doutrina de Sarmento Filho:



A existência de um sistema organizado decorre da necessidade de tornar mais confiável o tráfego imobiliário, de forma a acelerar o tempo de realização dos negócios, além de reduzir os custos, protegendo titulares dos direitos reais nele inscritos, especificamente o direito de propriedade (SARMENTO FILHO, Eduardo Sócrates Castanheira, Direito registral imobiliário, 2013, p. 24, Curitiba: Juruá).  



              Dessa forma, entendo que o registro imobiliário precisa trilhar o caminho de expressar de maneira fidedigna a realidade do imóvel, e, para que isso ocorra, a matrícula imobiliária precisa se tornar cada vez mais um documento capaz de garantir a credibilidade e a confiança para a prática de atos de disposição da propriedade.



              Nesse sentido, busco amparo novamente nos argumentos trazidos no voto do Excelentíssimo Desembargador José Agenor de Aragão, no Recurso Administrativo n. 0016960-94.2020.8.24.0710, que baliza a presente decisão:  



Observa-se então que a Lei n. 6.015/1973, em seu art. 246, não limita os atos averbáveis, uma vez que há uma infinidade de alterações que podem repercutir no direito registrado. Deverá então o Oficial Registrador analisar o caso concreto, a viabilidade de uma averbação não indicada expressamente no inciso II do art. 167, cabendo a ele analisar caso a caso com critério, resguardado pela orientação da jurisprudência administrativa.



A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça também é nesse mesmo diapasão, como se infere da ementa do REsp nº 1161300/SC, julgado pela Segunda Turma:



PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ALEGAÇÃO DE COISA JULGADA. VIOLAÇÃO DO § 3º DO ART. 267 DO CPC NÃO CONFIGURADA. AVERBAÇÃO DA DEMANDA NA MATRÍCULA DO IMÓVEL. LEGALIDADE. DIREITO DOS CONSUMIDORES À INFORMAÇÃO E À TRANSPARÊNCIA. PODER GERAL DE CAUTELA. [?] 8. Ressalto ainda que, ao contrário do que sustenta a recorrente, o amparo legal para proceder a averbação não se restringe ao art. 167, II, da Lei 6.015/1973, porquanto o rol nele estabelecido não é taxativo, e sim exemplificativo, haja vista a norma extensiva do art. 246 da mesma lei. [?] (Relator Ministro Herman Benjamin, DJe 11-5-2011).  



Na hipótese, a averbação serve para tornar completa e adequada informação sobre a real situação do imóvel o que se coaduna com a  finalidade  do  sistema  registral  e  com  os  direitos  do consumidor (grifei).  



              Diante disso, no caso concreto, entendo que a averbação da notificação extrajudicial do cancelamento do comodato é plenamente possível, não só em decorrência do entendimento de que o rol do artigo 167, II da Lei de Registros Públicos, não é taxativo e sim exemplificativo, mas também porque a situação jurídica do imóvel e as alterações subjetivas que o bem possa vir a sofrer, devem constar, mediante registro ou averbação, da respectiva matrícula imobiliária.  



              Isto posto, é de ser conhecido e dado provimento ao recurso, para reformar a sentença de primeiro grau, julgar improcedente a dúvida, possibilitando que seja promovida a averbação da notificação extrajudicial do cancelamento do comodato.



              É o voto.