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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 5034069-90.2024.8.24.0000 (Despacho das Vice-Presidências)
Relator: Cid Jose Goulart Junior
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Primeira Vice-Presidência
Julgado em: Fri Jun 14 00:00:00 GMT-03:00 2024
Classe: Suspensão de Segurança Cível

 








Suspensão de Segurança Cível Nº 5034069-90.2024.8.24.0000/SC



REQUERENTE: MUNICÍPIO DE SÃO JOÃO BATISTA REQUERIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA


DESPACHO/DECISÃO


O Município de São João Batista busca a suspensão de liminar concedida pelo Juízo da 2ª Vara da Comarca de São João Batista na ação n. 5001981-07.2024.8.24.0062, que determinou a suspensão do contrato administrativo referente à realização dos concursos públicos municipais regidos pelos editais n. 001/2024, 002/2024, 003/2024, 004/2024 e 005/2024, do Município requerente; n. 06/2024, da Fundação Batistense de Esportes - FUBE de São João Batista; n. 07/2024 da Fundação Municipal de Meio Ambiente de São João Batista - FUMAB; e n. 08/2024, do Serviço de Infraestrutura, Saneamento e Abastecimento de Água Municipal - SISAM, bem como a suspensão da aplicação de provas agendadas para o dia 9-6-2024.
Em síntese, argumentou que a suspensão das provas coloca em risco o interesse público ao obstaculizar a contratação de pessoal em contexto de escassez no quadro de servidores, além de significar prejuízo aos próprios candidatos.
Arguiu que eventuais erros na execução do certame não impedem, por si só, a continuidade do contrato administrativo, mormente a realização de novas provas já agendadas no intuito de corrigir os defeitos anteriormente verificados.
Pleiteou que a tutela de urgência concedida no processo originário fosse liminarmente suspensa, autorizando-se assim a realização das provas na data aprazada (9-6-2024) ou, alternativamente, que as provas sejam realizadas e que a análise do mérito suspenda apenas a "homologação do certame e eventuais nomeações dele decorrentes".
A liminar foi indeferida em regime de plantão (Evento n. 3).
É o relatório.
Decido.
Trata-se de pedido de suspensão de liminar proferida contra o Município de São João Batista, nos autos da tutela de urgência cautelar requerida em caráter antecedente n. 5001981-07.2024.8.24.0062, que tem por objeto os concursos públicos acima elencados.
De início, a respeito da decisão proferida pelo eminente Desembargador Renato Luiz Carvalho Roberge em regime de plantão, que levanta dúvida sobre a competência do magistrado plantonista para examinar o pedido em apreço, importa adiantar o acerto da abordagem e aprofundar o ponto, a fim de eliminar qualquer incerteza.
Consoante o art. 323, VI, do Regimento Interno deste Tribunal, incumbe ao plantão judiciário a análise de "medida cautelar, de natureza cível ou criminal, ou tutela de urgência que não possam ser realizadas no horário normal de expediente ou caso em que da demora possa resultar risco de grave prejuízo ou de difícil reparação".
Na medida em que o objeto da liminar tratava da realização de concurso público agendado para o dia seguinte ao da interposição do incidente processual, a urgência era característica intrínseca à apreciação do pedido. Portanto, havia pertinência temática às matérias do regime de plantão.
Não obstante, esse não era o ponto central do impasse mencionado na decisão do Evento n. 3, mas, sim, o fato de a competência privativa do 1º Vice-Presidente deste Tribunal para a apreciação da suspensão de liminar constituir, ou não, circunstância prejudicial à cognição das correlatas medidas urgentes em regime de plantão.
A resposta é não.
Com efeito, as recentes alterações do § 4º do art. 327 da atual versão do Regimento Interno tiveram como resultado a ampliação da competência do regime de plantão no Tribunal.
Em sua redação original, tal dispositivo previa que "se a matéria for de competência do Órgão Especial, o feito será distribuído a desembargador com assento no colegiado, respeitada a ordem crescente de antiguidade no Tribunal de Justiça, excluídos da distribuição o presidente, os vice-presidentes, o corregedor-geral da Justiça e o corregedor-geral do foro extrajudicial".
A partir da Emenda Regimental TJ n. 20, de 17 de agosto de 2022, a competência foi estendida com a supressão da restrição acima destacada, passando o comando legal a portar a seguinte redação: "os desembargadores ocupantes dos 64 (sessenta e quatro) cargos mais antigos do Tribunal de Justiça, incluídos os que compõem o Tribunal Regional Eleitoral como membro efetivo, integrarão a escala de plantão de acordo com a matéria afeta à câmara na qual tem assento".
Houve, ainda, nova ampliação do escopo do plantão com a Emenda Regimental TJ n. 36, de 6 de março de 2024, que firmou o atual teor do § 4º, nestes termos: "os desembargadores ocupantes dos 66 (sessenta e seis) cargos mais antigos do Tribunal de Justiça, incluídos os que compõem o Tribunal Regional Eleitoral como membro efetivo, integrarão a escala de plantão de acordo com a matéria afeta à câmara na qual tem assento".
A mesma emenda incluiu ainda os juízes de direito de segundo grau na escala de plantão ao acrescentar o § 4º-A ao art. 327 do RITJSC: "Os juízes de direito de segundo grau integrarão, além da escala decorrente da lotação, outras a critério da Presidência, independentemente da designação para atuarem no Tribunal".
A sequência de alterações, com subsequentes expansões do campo semântico da norma, evidencia o escopo do legislador em alargar a competência do plantonista, de forma que, atualmente, não há falar em limitação de matéria do plantão por conta da competência privativa da 1ª Vice-Presidência. O art. 15, IV, oportunamente mencionado pelo desembargador plantonista, deve sim ser observado, mas no que diz respeito ao expediente ordinário. Em regime de plantão exsurge a competência do respectivo plantonista, sem ressalva quanto às matérias desta Vice-Presidência, compreensão que dá respaldo à decisão proferida no Evento n. 3.
Firmado isso, passa-se à análise do mérito.
A execução de liminar e de sentença nas ações movidas contra o Poder Público pode ser suspensa para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, conforme estabelece o artigo 4° da Lei n. 8.437/1992:
Art. 4° Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.
Nesse sentido, convém ressaltar que o pedido de suspensão possui pressupostos específicos para o seu deferimento, relacionados ao risco de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, razão pela qual não é possível, via de regra, eventual análise da matéria de mérito do processo principal nos estreitos limites desta via processual.
Noutras palavras, "o mérito da medida de suspensão de segurança não se confunde com o mérito dos autos originários, porquanto tem como objeto a análise do potencial risco de abalo grave à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas do ato questionado" (STF, SS 5305 AgR, rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 20/12/2019).
Sobre o assunto, destaca-se da doutrina:
[...] ao apreciar o pedido de suspensão, o Presidente do Tribunal não colocará seu ponto de vista sobre o meritum causae, relevando-o a segundo plano, ainda que seja indispensável o exercício de um mínimo juízo de delibação, conforme expressão bem forjada pelo eminente Min. Sepúlveda Pertence, adstringindo-se à verificação da ocorrência do perigo de lesão aos valores indicados na lei respectiva, bem como analisando o caráter transitório da decisão que se pretende ver suspensa. (Rocha, Caio C. Série IDP - Linha pesquisa acadêmica - Pedido de suspensão de decisões contra o Poder Público, 1ª Edição. Disponível em: Minha Biblioteca, Editora Saraiva, 2012).
Portanto, na concessão da suspensão de liminar e sentença não se analisa o conteúdo da decisão cuja eficácia se pretende suspender, mas somente o risco concreto de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas gerado pela decisão concedida contra o Poder Público.
Ainda a respeito do tema, colhe-se da lição de Marcelo Abelha Rodrigues:  
O risco de grave lesão que motiva e justifica o pedido de suspensão deve ser atual, imprevisível e iminente. Ora, por tudo isso que se disse, percebe-se que o incidente de suspensão de execução de decisão requerido ao presidente do tribunal deve ser excepcionalíssimo, sob pena de apequenar o importantíssimo papel das "liminares" no resgate da efetividade da prestação da tutela jurisdicional. (Suspensão de segurança [recurso eletrônico]: suspensão da execução de decisão judicial contra o Poder Público. 5. ed. Indaiatuba/SP: Editora Foco, 2022. p. 209. grifou-se).
No caso concreto, denota-se a inexistência de alteração fática ou jurídica do cenário já vislumbrado quando do indeferimento do pedido de efeito suspensivo liminar (Evento n. 3).
A Constituição Federal estabelece que:
Art. 37 A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[...] II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
A realização de concurso público, como qualquer outro ato administrativo, deve seguir tais preceitos, que se configuram como caminho principiológico ao resguardo da isonomia entre os concorrentes.
Sobre o tema, faz-se válida a transcrição do seguinte escólio doutrinário da lavra do hoje Ministro Alexandre de Moraes:
O Supremo Tribunal Federal, ressalvadas as exceções constitucionais, é intransigente em relação à imposição à efetividade do princípio constitucional do concurso público, como regra a todas as admissões da administração pública, vedando expressamente tanto a ausência deste postulado, quanto seu afastamento fraudulento, através de transferência de servidores públicos para outros cargos diversos daquele para o qual foi originariamente admitido.
Dessa forma, as autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista estão sujeitas à regra, que envolve a administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios [...].
Os Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, igualmente, encontram-se vinculados, em face de explícita previsão constitucional (art. 37, caput), aos princípios que regem a administração pública, entre os quais ressalta, como vetor condicionante da atividade estatal, a existência de observância do postulado do concurso público (art. 37, II). (Direito constitucional. 17.ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 314-315)
As provas dos concursos públicos em questão foram inicialmente aplicadas em 26-5-2024. Após abundantes reclamações sobre a execução do certame, a própria banca acabou cancelando as provas aplicadas no período matutino, reagendando-as para 9-6-2024. As provas do período vespertino foram mantidas.
Várias representações foram recebidas pela 2ª Promotoria de Justiça da Comarca de São João Batista. No Inquérito Civil n. 06.2024.00002437-1, recomendou-se a anulação integral dos concursos (autos n. 5001981-07.2024.8.24.0062, Evento n. 1, Parecer Ministério Público 44), elencando-se as irregularidades cuja transcrição faz-se mister:
a) houve a falta de monitores para aplicação e fiscalização das provas, com o recrutamento de pessoas a destempo, na entrada dos locais de provas, para atuarem como monitores;
b) não houve a utilização de detector de metal nas salas de aplicação das provas e nem no momento de ida/retorno dos banheiros;
c) não houve a conferência do documento de identificação dos candidatos para realização das provas;
d) não houve o fornecimento de embalagem própria e com lacre para acondicionamento de pertences pessoais e equipamentos eletrônicos;
e) vários candidatos puderam fazer a prova com seus aparelhos celulares no bolso, inclusive tendo acesso aos aparelhos por ocasião de sua ida ao banheiro;
f) candidatos tiraram fotografias de provas e gravaram vídeos com seus celulares dentro das salas;
g) não houve alocação dos candidatos em locais adequados para aplicação das provas - teve candidato que teve que fazer a prova em cadeira destinada a aluno de pré-escolar;
h) vários cadernos de prova foram impressos no momento da sua aplicação, inclusive gabaritos;
i) os cadernos de prova, assim como as folhas de preenchimento de gabarito, não se encontravam em embalagens lacradas e não houve conferência e assinatura nos lacres dos malotes e em ata de conferência;
j) houve reimpressão de gabaritos, por ausência de alternativas nos gabaritos das provas aplicadas no período matutino;
k) repetição de questões nas provas dos períodos matutinos e vespertino;
l) foram verificados erros materiais em questões de prova - erros de redação, de português e questões incompletas, entre outras irregularidades;
O volume e conteúdo das representações, bem como o cenário verificado a partir da análise das provas presentes tanto nestes autos quanto nos autos n. 5033839-48.2024.8.24.0000 (tutela de urgência cautelar em caráter antecedente) e n. 5033839-48.2024.8.24.0000 (agravo de instrumento), materializam, para dizer o mínimo, importantes dúvidas a respeito da lisura do certame.
A vasta gama de violações aos preceitos mais básicos do concurso público gerou situações insólitas e até mesmo caricatas, como aquela registrada na imagem inserta na decisão do Evento n. 9 dos autos n. 5001981-07.2024.8.24.0062, em que se vê uma candidata realizando a prova com uma bolsa sobre a mesa, em registro fotográfico obtido por outro(a) candidato(a) na mesma sala, tudo durante a aplicação do exame. Isso, é claro, apenas a título de exemplo.
Perante tal cenário recomenda-se, de fato, a manutenção da liminar ora combatida.
A realização de concurso público, ou a falta dele, não implica, por si só, grave risco à ordem e à segurança públicas. O Município, nessa quadra, alega que o perigo da demora reside no fato de que os concursos tinham como objetivo preencher cargos vagos da administração municipal. Tal providência, como cediço, deveria ter sido observada pelo Administrador, a quem caberia, de maneira oportuna e adequada, manter a regularidade no provimento dessas vagas conforme a necessidade, o que não foi feito. Embora possa haver, hipoteticamente falando, uma deficiência no serviço público devido à falta de servidores, é essencial priorizar a proteção dos princípios administrativos, pois, afinal, isso evitaria a continuidade de um concurso cuja integridade é altamente questionável. Na verdade, existe aqui um periculum in mora inverso.
Ad argumentandum, extrai-se ponderação da eminente Desembargadora Bettina Maria Maresch de Moura, no sentido de que eventuais "questões atinentes aos prejuízos que decorreriam da realização de novo concurso por óbvio não são suficientes para que se convalide ilegalidade praticada pela Administração Pública" (TJSC, Apelação n. 0900031-04.2017.8.24.0083, Terceira Câmara de Direito Público, j. 17-08-2021).
Outrossim, a alegação de escassez de servidores é genérica e carece de qualquer comprovação processual, ônus que ao Ente Público incumbia.
Por fim, também não se vislumbra risco às finanças públicas, porquanto a remuneração da empresa contratada deu-se unicamente a partir do valor das inscrições, consoante a cláusula "2.1" do contrato administrativo (Evento n. 1, Contrato 39).
Logo, nada justifica a almejada suspensão da liminar.
Saliento, por fim, que a oitiva do Ministério Público e da parte adversa não é impositiva, a rigor do que dispõe o § 2º do art. 4º da Lei n. 8.437/1992: "O Presidente do Tribunal poderá ouvir o autor e o Ministério Público, em setenta e duas horas". Outrossim, a imediata decisão de mérito não importa prejuízo ao autor da ação principal, pois o desfecho deste decisum lhe favorece.
Assim, como não houve a demonstração da excepcionalidade prevista pela legislação de regência, indefiro o pedido de suspensão de liminar formulado pelo Município de São João Batista e, de conseguinte, julgo extinto o presente.
Cientifique-se o Juízo prolator da decisão questionada.
Intimem-se e, preclusa a presente decisão, arquivem-se os autos.

Documento eletrônico assinado por CID JOSE GOULART JUNIOR, Vice-Presidente, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 4927245v47 e do código CRC 97041850.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): CID JOSE GOULART JUNIORData e Hora: 14/6/2024, às 17:57:28