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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0913532-15.2016.8.24.0033 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Luiz Fernando Boller
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Primeira Câmara de Direito Público
Julgado em: Tue May 14 00:00:00 GMT-03:00 2024
Classe: Apelação / Remessa Necessária

 









Apelação / Remessa Necessária Nº 0913532-15.2016.8.24.0033/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 0913532-15.2016.8.24.0033/SC



RELATOR: Desembargador LUIZ FERNANDO BOLLER


APELANTE: MUNICÍPIO DE ITAJAÍ/SC (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


Cuida-se de Remessa Necessária e Apelação interposta por Município de Itajaí, em objeção à sentença prolatada pela magistrada Sônia Maria Mazzetto Moroso Terres - Juíza de Direito titular da Vara da Fazenda Pública, Execuções Fiscais, Acidentes do Trabalho e Registros Públicos da comarca de Itajaí -, que na Ação Civil Pública n. 0913532-15.2016.8.24.0033 ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, julgou procedentes os pedidos, nos seguintes termos:
Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA em desfavor de MUNICÍPIO DE ITAJAÍ/SC e CARELLI PROPRIEDADES LTDA., objetivando impedir a construção do empreendimento Porsche Design Towers Brava por parte da segunda Demandada, bem como a concessão de alvarás construtivos, licenças e permissões de qualquer natureza que estejam em confronto com as expressas limitações da Zona de Proteção Ambiental 1, em que efetivamente localizado o empreendimento, por parte do primeiro Demandado.
[...] Ante o exposto, resolvo o mérito, com fulcro no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, e JULGO PROCEDENTES os pedidos iniciais da presente Ação Civil Pública proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA contra o MUNICÍPIO DE ITAJAÍ/SC e CARELLI PROPRIEDADES CONSTRUTORA E INCORPORADORA LTDA. Em consequência:
I - CONFIRMO a tutela provisória de urgência concedida (evento 5);
II - DECLARO a nulidade do art. 80 da Lei Complementar n. 215/2012 do Município de Itajaí;
III - IMPONHO aos Réus a obrigação de proibir e se abster de realizar qualquer edificação no imóvel registrado sob a matrícula n. 42.161 do 1º Ofício de Registro de Imóveis de Itajaí, localizado na Rodovia Osvaldo Reis, s/n., bairro Praia Brava, Itajaí/SC, em desacordo com os padrões construtivos referentes a Zona de Proteção Ambiental - ZPA1.
Custas pelos Réus, isento, contudo o Município de Itajaí. 
Sem honorários advocatícios.
Sentença sujeita à remessa necessária (art. 496, I, do CPC).
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Com o trânsito em julgado, arquivem-se.
Descontente, o Município de Itajaí porfia que:
[...] Primeiramente cumpre esclarecer Excelentíssimos Desembargadores, que o artigo 80, da Lei Complementar Municipal nº 215/2012 é norma de efeitos abstratos e não concretos, como fez parecer o apelado autor e acolhido pelo MM. Juízo a quo.
[...] Ora, sendo um dos cernes dos pleitos articulados à exordial da ação civil pública justamente a busca da declaração de ilegalidade (na verdade declaração de inconstitucionalidade) do art. 80, da LCM 215/2012, já que a suposta irregularidade do proceder administrativo seria apenas consectário da inconstitucionalidade do dispositivo legal ao qual se poderia dar o exato cumprimento, infere-se que tal pretensão é absolutamente inviável em sede de ação civil pública, a qual perderia, então, sua verdadeira vocação, assumindo feição de ação direta de inconstitucionalidade.
[...] Mostra-se, pois, evidente, na hipótese, a inadequação da via eleita (ação civil pública), para o fim de reconhecimento de inconstitucionalidade de lei municipal, como substitutiva da ação direta de inconstitucionalidade cabível, embora "disfarçada" de pedido meramente de declaração de ilegalidade.
[...] O artigo 80, da LCM 215/2012 é exceção à regra geral, justamente por reconhecer que o corredor da Rodovia Oswaldo Reis no Morro Cortado está inserido em Zona Urbana 2 - ZU2.
[...] Ademais, a referida norma já foi objeto de análise de constitucionalidade nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 9169653-47.2013.8.24.0000, a qual, por votação unânime, foi julgada improcedente pelo Colendo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. 
Portanto, não há que se falar em ilegalidade/inconstitucionalidade do artigo 80, da LC nº 215/2012.
[...] Assim sendo, a r. sentença no Evento 102, ao declarar a nulidade do artigo 80, da Lei Complementar nº 215, de 31 de dezembro de 2012, claramente violou os artigos 84 e 85, da Constituição Estadual, que reservam ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, a competência para controle direto de constitucionalidade das leis municipais.
[...] No caso em apreço, por tratar-se de suposta inconstitucionalidade de norma municipal, a competência para apreciar a validade de lei é desse Egrégio Tribunal de Justiça Catarinense, nos termos da Lei nº 12.069/2001.
Nestes termos, brada pelo conhecimento e provimento do Apelo encetado.
Na sequência sobrevieram as contrarrazões, onde o Ministério Público do Estado de Santa Catarina refuta uma a uma as teses manejadas, exorando pelo improvimento da contrariedade interposta.
Em Parecer do Procurador de Justiça Alexandre Herculano Abreu, a Procuradoria-Geral de Justiça vozeou pelo conhecimento e desprovimento da insurgência.
É, no essencial, o relatório.

VOTO


Satisfeitos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.
O Município de Itajaí se insurge contra a sentença que impôs à comuna e à sociedade empresária Carelli Propriedades Construtora e Incorporadora Ltda. a "obrigação de proibir e se abster de realizar qualquer edificação no imóvel registrado sob a Matrícula n. 42.161 do 1º Ofício de Registro de Imóveis de Itajaí, localizado na Rodovia Osvaldo Reis, s/n., bairro Praia Brava, Itajaí/SC, em desacordo com os padrões construtivos referentes a Zona de Proteção Ambiental - ZPA1".
Aduz que o art. 80 da Lei Complementar Municipal n. 215/2012 trata de norma de efeitos abstratos, sendo inviável a análise de sua (in)constitucionalidade pela via processual eleita.
Defende a constitucionalidade do aludido dispositivo legal, por tratar-se de uma exceção ao regramento contido no Código de Zoneamento, Parcelamento e Uso do Solo no município.
Pois bem.
À calva e sem rebuços, de cara adianto: o anticonformismo não prospera.
Vis-à-vis os princípios constitucionais que regem o processo civil - especialmente da celeridade, eficiência e economicidade, essenciais à prestação jurisdicional -, por sua própria racionalidade e jurídicos fundamentos, abarco integralmente a cognição lançada pela magistrada sentenciante, que parodio, imbricando-a textualmente em meu voto, tal e qual, como ratio decidendi:
[...] 3. Da inadequação da via eleita
Já, quanto às preliminares referentes à inadequação da via eleita, porque esta ação estaria sendo utilizada como sucedâneo de ADI, visando a declaração de inconstitucionalidade do art. 80 da Lei Complementar Municipal n. 2015/2012, faço algumas considerações.
Na espécie, a causa de pedir e o pedido da presente ação não envolvem juízo de constitucionalidade, mas, sim, juízo de legalidade do art. 80 da Lei Complementar Municipal n. 2015/2012, de modo que não se verifica, na espécie, a inadequação da via eleita.
Não há dúvidas de que a Ação Civil Pública não se presta para substituir a Ação de Inconstitucionalidade, e tampouco para discutir a interpretação da lei em tese.
A Ação Civil Pública é a demanda posta à disposição dos legitimados coletivos para combater os atos privados e administrativos que causem danos morais e patrimoniais ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, por infração da ordem econômica e urbanística, honra e dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos, e ao patrimônio público e social (art. 1º da Lei 7.347/1985).
Em relação aos atos legislativos, apenas situações concretas e específicas podem ser objeto da ação civil pública, ainda que compreendidas nos termos genéricos de uma lei, quando então deixará de ser abstrato, passando a gerar efeitos individuais, estes, sim, passíveis de correção por meio da ação coletiva, se verificada a sua ilicitude.
Na espécie, o artigo de lei impugnado - art. 80 da Lei Complementar Municipal n. 2015/2012 - altera os parâmetros de zoneamento e construtivos para os imóveis localizados acima da cota 20 no Morro Cortado em Itajaí. Trata-se de uma situação deveras específica e concreta.
A presente ação, portanto, não discute ato normativo genérico, abstrato e impessoal - o que impossibilitaria sua propositura -, mas pretende atacar artigo de lei de efeitos concretos, que alterou o padrão construtivo de parte daquele Morro.
Ressalto ainda que, em nenhum momento, alegou-se, nos autos, a inconstitucionalidade da legislação municipal frente à Constituição Federal ou Estadual, mas apenas a ilegalidade de um dispositivo em relação ao sentido da própria lei que o abriga, bem como em relação à Lei Federal n. 11.428/06 que tutela especificamente o Bioma Mata Atlântica. Destarte, a causa de pedir ou pedido da demanda não envolvem controle da constitucionalidade, seja ele incidental ou como objeto único do feito, razão pela qual sequer se vislumbra a presente ação como sucedâneo de ação de inconstitucionalidade.
Nesse sentido, é o seguinte precedente jurisprudencial:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRETENSÃO DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE DA LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL Nº 6.285/2015. LEI DE EFEITOS CONCRETOS. CABIMENTO DO AJUIZAMENTO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRECEDENTES DO STF E DESTA CORTE DE JUSTIÇA. A Lei Complementar Municipal nº 6.285/2015, que alterou o plano diretor do Município de Ijuí, tem natureza jurídica de lei de efeitos concretos, passível, portanto, de ser impugnada pela via da ação civil pública. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e desta Corte de Justiça. APELAÇÃO PROVIDA. (TJRS, Apelação Cível, Nº 70077606986, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Silveira Difini, julgado em: 26-07-2018) - grifei.
Do mesmo modo, a argumentação de que a Lei Complementar Municipal n. 2015/2012 já foi objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 9169653-47.2013.8.24.0000 e, portanto, não poderia ser novamente apreciada, também foi devidamente analisada e afastada pelo Tribunal de Justiça no mesmo julgamento, tendo restado evidenciado que a causa de pedir desta ação é distinta daquela.
Assim, deve ser reconhecida a adequação da demanda e afastada a preliminar de inadequação da via eleita.
[...]
Do mérito.
A controvérsia reside na legalidade ou não do art. 80 da Lei Complementar Municipal n. 215/2012, o qual assim prevê:
Art. 80 - Na Avenida Osvaldo Reis no trecho compreendido do Morro Cortado, acima da cota 20 o coeficiente de aproveitamento será de 0,75 e os demais parâmetros da Zona Urbana 2, conforme a tabela do anexo II.
Com base nesse artigo, houve consulta prévia favorável e aprovação pelo Município de Itajaí do projeto urbanístico do empreendimento Porsche Design Towers Brava, da demandada CARELLI PROPRIEDADES LTDA., enquadrando o local como Zona Urbana 2 (ZU2). Tal Empreendimento contempla a construção de 4 torres e 740 (setecentos e quarenta) unidades habitacionais, em cima do Morro Cortado, em meio à Mata Atlântica, o que, em tese, segundo o Município de Itajaí, seria compatível com os parâmetros construtivos de Zona Urbana.
Ocorre que, embasado no Parecer Técnico n. 177/2016 da FAMAI (atual INIS), defende o Autor a ilegalidade de tal dispositivo, na medida em que a mesma Lei (LCM n. 2015/2012), em seu Anexo I, dispõe que o imóvel em questão está completamente inserido em Zona de Proteção Ambiental - ZPA1, conforme imagem abaixo (evento 1 - informação 14/45):

Pois bem, no presente caso, entendo que, de fato, há ilegalidade no art. 80 da Lei Complementar Municipal n. 215/2012.
Isso porque é inviável que as posturas pertinentes ao zoneamento Zona Urbana 2 (ZU2) sejam aplicáveis ao local em debate. Muito pelo contrário. No caso em tela, os parâmetros que devem reger o imóvel são justamente os aplicáveis à Zona de Proteção Ambiental - ZPA1, que são mais restritivos.
Aliás, esse raciocínio decorre não apenas das funções sociais da cidade, mas também do próprio espírito da Lei Complementar Municipal n. 215/2012 que, em seu Anexo I, caracterizou a área como Zona de Proteção Ambiental - ZPA1.
O Parecer Técnico n. 177/2016 da FAMAI (atual INIS) deixa evidente que a situação narrada ensejará prejuízo ao meio ambiente e à coletividade, veja-se:

Além disso, é notório o prejuízo que será causado aos valores paisagísticos do local, visto que está prevista a construção de 4 torres, com 32 pavimentos, no topo do Morro Cortado.
O referido Parecer assim conclui:




Com efeito, este Juízo compartilha do mesmo entendimento do Órgão Ambiental Municipal, no sentido de que o local onde a requerida CARELLI PROPRIEDADES CONSTRUTORA E INCORPORADORA LTDA. pretende empreender 4 (quatro) edifícios multifamiliares, com 30 (trinta) pavimentos, mais térreo e mezanino, 3 (três) níveis de subsolo, além de salas comerciais e áreas de lazer, possui vocação eminentemente residencial unifamiliar, de modo que o aludido empreendimento particular conspirará contra as características ambientais da área que, inclusive, é limítrofe a uma Unidade de Conservação, qual seja, o Parque Natural Municipal da Ressacada.
A prevalecer o zoneamento que admite menos restrições (Zona Urbana 2 - ZU2), estará se permitindo a desfiguração da Zona de Proteção Ambiental que perderá suas características, impactando, ainda, no aumento do fluxo de pessoas e automóveis circulando pelo Morro Cortado, cujo sistema viário não se sabe se foi projetado para receber este aumento.
Observo que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, instrumento fundamental para a aplicação de políticas urbanas e ambientais, ao fixar o princípio da função social da propriedade, e ao reconhecer o meio ambiente como essencial à sadia qualidade de vida, impôs ao legislador, ao aplicador do direito, ao administrador público e à toda coletividade uma nova postura de defesa dos direitos urbanísticos e ambientais.
O artigo 182 da CRFB/1988 dispõe que:
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.
Igualmente, o artigo 30, inciso VIII, da Lei Fundamental, disciplina que compete ao Município: "promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano".
Isto significa dizer que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, além de impor ao Poder Público municipal a planificação urbana, impôs a efetiva execução da política planejada, inclusive mediante o controle do uso do solo urbano. Os Municípios foram encarregados, assim, do estabelecimento de uma política pública urbanístico-ambiental e da tarefa de zelar por seu respeito.
Convém destacar que a forma de usar um imóvel não diz respeito apenas ao seu proprietário. O uso afeta mais diretamente o entorno e, indiretamente, toda a coletividade. A preservação da fauna e da flora, o tráfego viário, a insolação, o adensamento, a ventilação, a poluição sonora e do ar são determinados pelas características de uso e ocupação do conjunto dos imóveis da cidade.
Pode-se afirmar, assim, que a qualidade da vida urbana está intimamente ligada ao respeito de um zoneamento criterioso.
Portanto, é certo que a utilização do imóvel em questão com os parâmetros de Zona de Urbana, desrespeita os valores urbanísticos e ambientais protegidos pela Carta Magna e por normas ambientais infraconstitucionais, prejudicando toda a comunidade de Itajaí, uma vez que o bom ordenamento do espaço urbano, que a todos interessa, não está sendo devidamente cumprido.
Nessas circunstâncias, verifico que o direito difuso ao meio ambiente equilibrado e a uma política de desenvolvimento urbano adequada, pertencente a toda comunidade Itajaiense, encontra-se desrespeitado pela ação dos Requeridos.
A supremacia do interesse público sobre o privado afasta a prevalência dos parâmetros construtivos de Zona Urbana sobre os da Zona de Proteção Ambiental.
O Anexo I da Lei Complementar Municipal n. 215/2012 que caracteriza a área como Zona de Proteção Ambiental - ZPA1 tem por escopo garantir a preservação das características ambientais daquela área, preservando sua configuração inicial que ainda é pouco tocada, bem como garantir a baixa densidade demográfica na localidade, que é a adequada para o ambiente natural e infraestrutura local.
Não se pode desprezar as restrições urbanístico-ambientais, como faz o art. 80 da Lei Complementar Municipal n. 215/2012, sem que haja a comprovação da prevalência do interesse público para tanto, o qual não se confunde com interesses imobiliários ou vantagens comerciais dos agentes políticos e econômicos.
O uso daquela área, no topo do Morro Cortado, como Zona Urbana prejudica todo o entorno, influenciando não só na qualidade de vida de todos nós, mas também comprometendo o meio ambiente das futuras gerações.
Não bastasse isso, a prova carreada aos autos demonstra que a vegetação da área em questão pertence ao Bioma Mata Atlântica, contendo predominantemente vegetação em estágio médio e avançado de regeneração natural, e que, ainda, a área contorna uma Unidade de Conservação, qual seja, o Parque Natural Municipal da Ressacada, cujo projeto de lei ordinária para delimitação encontra-se em tramitação na Câmara de Vereadores de Itajaí (PL 97/2023).
Para implantação do Empreendimento, seria necessário o corte de 24.000,00m² de vegetação nativa, a qual em grande parte encontra-se em estágio avançado de regeneração, conforme consta no Parecer Técnico n. 177/2016 da FAMAI (atual INIS):

A figura a seguir, extraída do referido Parecer, demonstra a área de supressão de vegetação prevista, bem como que, em diversas porções, ela atinge e suplanta a cota 70m, ou seja, a cota prevista para a delimitação do Parque Natural Municipal da Ressacada.

Nesse contexto, é inegável que o imóvel em questão é incompatível com a instalação do empreendimento Porsche Design Towers Brava, ou, de qualquer outro de grande porte, sendo certo que, de acordo com as características ambientais da área, ela deve ser entendida como Zona de Proteção Ambiental.
Dessa forma, entendo que o previsto no art. 80 da Lei Complementar Municipal n. 215/2012 é inteiramente desarrazoado, ilegal e, portanto, nulo, uma vez que tal disposição não pode suplantar a Zona de Proteção Ambiental identificada e delimitada nos mapas de zoneamento, de acordo com as características ambientais da área, devendo ser privilegiados os critérios urbanísticos que prestigiam a regra da maior restrição, em prol do meio ambiente.
Isso colocado, prossigo.
Consoante assinalado no comando sentencial, não há que falar em inadequação da via eleita.
O cerne da quaestio objeto da subjacente Ação Civil Pública n. 0913532-15.2016.8.24.0033, perpassa pela (i)legalidade do art. 80 da Lei Complementar Municipal n. 215/12, que institui normas para o Código de Zoneamento, Parcelamento e Uso do Solo no Município de Itajaí, diante de um caso concreto, em controle difuso.
Portanto, ao revés do que alega a comuna apelante, o presente mecanismo processual não busca a análise sobre a constitucionalidade da norma.
No caso em liça, a demanda analisa a adequação do empreendimento Porsche Design Towers Brava às normativas vigentes, diante da degradação ambiental que de sua edificação poderá resultar.
Assim, o objetivo é a aferição de validade da norma infralegal, de modo que a tutela pretendida está adstrita à situação fática existente em zoneamento cujo regramento - consolidado pela municipalidade -, é bastante restrito.
A propósito, a Lei Complementar Municipal n. 215/12 preceitua:
Art. 80 - Na Avenida Osvaldo Reis no trecho compreendido do Morro Cortado, acima da cota 20 o coeficiente de aproveitamento será de 0,75 e os demais parâmetros da Zona Urbana 2, conforme a tabela do anexo II.
E, consoante pontuou a toada singular quando da concessão da tutela antecipada (Evento 5):
Assim, ao promover o ordenamento territorial por meio das leis combatidas, o Município de Itajaí agiu concretamente estabelecendo limitações ao direito de propriedade, por meio de índices urbanísticos. Daí decorre, portanto, que citadas leis não possuem os atributos de generalidade e abstração. Nesses termos, pode-se afirmar que a Lei de Zoneamento é típica norma de efeitos concretos, podendo ser classificada como ato administrativo revestido sob a forma de lei, inserindo-se assim como verdadeiro programa de desenvolvimento urbano. Ou seja, por se tratar de lei tão somente em sentido formal e não em sentido material, atua concreta e imediatamente como qualquer ato administrativo de efeitos individuais e específicos, razão pela qual se expõe ao controle de legalidade pelo Poder Judiciário. (grifei)
Ademais, "as leis que dispõem sobre o zoneamento, uso e ocupação do solo urbano municipal constituem normas de efeitos concretos, pois não apresentam características de generalidade e de abstração típicas das leis em geral. Por isso, equiparam-se aos atos administrativos, estando sujeitas a controle de legalidade" (TJSC, Apelação n. 0306158-56.2018.8.24.0023, rel. Des. Carlos Adilson Silva, Segunda Câmara de Direito Público, j. em 05/09/2023).
Deste modo, nos moldes da Lei n. 7.347/85, é possível a impugnação realizada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, via Ação Civil Pública.
Nessa perspectiva:  
"1. [...] no caso dos autos não se trata de ação civil pública contra ato normativo abstrato ou lei em tese, mas lei de efeitos concretos, diretos e imediatos e, portanto, a justo receio da parte demandante quanto a incompatibilidade do referido dispositivo com a Constituição Federal e Estadual sobre a forma de investidura em cargo ou emprego público. 2. O pedido, desse modo, é de controle de constitucionalidade incidental e não de controle direto ou concentrado, com efeito erga omnes. 3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é consolidada no sentido de que "é possível a declaração incidental de inconstitucionalidade, na ação civil pública, de quaisquer leis ou atos normativos do Poder Público, desde que a controvérsia constitucional não figure como pedido, mas sim como causa de pedir, fundamento ou simples questão prejudicial, indispensável à resolução do litígio principal, em torno da tutela do interesse público" (REsp 437.277/SP, rela. Ministra Eliana Calmon)" (TJSC, Apelação n. 5000409-34.2023.8.24.0035, rel. Des. Jaime Ramos, Terceira Câmara de Direito Público, j. em 05/03/2024).
Do mesmo modo, quanto a aventada legalidade do dispositivo suso mencionado, razão não assiste ao Município de Itajaí.
Ora, o art. 80 da Lei Complementar Municipal n. 215/12 define os parâmetros para determinada região, inclusive na qual se encontra o imóvel registrado sob a Matrícula n. 42.161 do 1º Ofício de Registro de Imóveis de Itajaí - localizado no corredor da Rodovia Oswaldo Reis, no "Morro Cortado" bairro Praia Brava em Itajaí, em meio a bioma da Mata Atlântica -, em total desacordo com os padrões construtivos referentes ao zoneamento atribuído à localidade pelo Anexo I da mesma legislação.
Explico.
Nos termos do Anexo I da Lei Complementar Municipal n. 215/12, o empreendimento Porsche Design Towers Brava está situado, em sua integralidade, na ZPA1-Zona de Proteção Ambiental 01.
E o Código de Zoneamento, Parcelamento e Uso do Solo no Município de Itajaí, estabelece que:
Art. 47 - A Zona de Preservação Ambiental 01 é formada pelas porções do território destinadas às áreas com restrições em seus parâmetros de uso e ocupação do solo, objetivando garantir um equilíbrio sustentável entre as áreas de preservação e a urbanização da cidade, seus usos e parâmetros construtivos, estão definidos de acordo com anexos I e II.
Por sua vez, o Anexo II da mesma norma legal determina as características das zonas definidas no Município de Itajaí:

Assim, o art. 80 da Lei Complementar Municipal n. 215/12 incorre em ilegalidade ao prever definições que destoam do que o Código de Zoneamento, Parcelamento e Uso do Solo do Município de Itajaí preceitua, trazendo regramento menos restritivo à região inserida em ZPA1-Zona de Proteção Ambiental 01.
Além disso, ao determinar que sejam utilizados "os demais parâmetros da Zona Urbana 2", amplia outros padrões definidos originalmente para a ZPA1, tais como o número de pavimentos, permitindo que sejam edificados até 4 (quatro), ao revés de 2 (dois) originalmente instituídos ao zoneamento.
Ademais, no voto vencedor proferido no Agravo de Instrumento n. 4004046-62.2016.8.24.0000, o notável Desembargador Paulo Henrique Moritz Martins da Silva pontuou que (Evento 96, Voto 6):
Há grande probabilidade de que tal dispositivo seja ilegal, pois confronta a razão de ser da própria LCM n. 215/2012, definido em seu art. 21 e com os objetivos da criação da Macrozona de Proteção Ambiental:
Art. 21 - O zoneamento municipal visa estabelecer critérios quanto ao uso, a ocupação e o zoneamento do solo no Município de Itajaí para cada uma das Zonas, objetivando consolidar e otimizar a infraestrutura básica instalada, concentrar o adensamento de maneira a evitar a expansão desnecessária da malha urbana e a preservar as áreas ambientalmente mais frágeis. 
[...] 
Art. 46 - A Macrozona de Proteção Ambiental tem como objetivos: 
I - garantir a produção de água e a proteção dos recursos naturais; 
II - recuperar as áreas ambientalmente degradadas e promover a regularização urbanística e fundiária dos assentamentos existentes; 
III - contribuir com o desenvolvimento econômico sustentável. (grifou-se) 
Além disso, é inegável que, de acordo com Parecer Técnico n. 177/2016 da Famai, a execução do projeto construtivo implicará em supressão de vegetação da Mata Atlântica, a qual é protegida pelo art. 225, § 4º, da CFFG/1988 e Lei n. 11.428/2006, cuja utilização só é possível dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente.
Nesse diapasão, mutatis mutandis:
"A vigência de normas de proteção ambiental mais restritivas, previstas na legislação municipal e federal, obstaculiza a aplicação de lei estadual que flexibiliza a utilização e construção em imóveis situados em área de preservação permanente (Desembargador Luiz Cézar Medeiros)" (TJSC, Agravo de Instrumento n. 5023400-46.2022.8.24.0000, rel. Des. Francisco José Rodrigues de Oliveira Neto, Segunda Câmara de Direito Público, j. em 07/03/2023).
À face do exposto, aludido dispositivo afronta diretamente a própria legislação interna do Município de Itajaí, evidenciando prejuízo de ordem ambiental ao viabilizar empreendimento imobiliário com significativo, grave e expressivo poder de degradação ambiental ao bioma da Mata Atlântica.
Ex positis et ipso facti, mantenho o veredicto.
Sem custas e honorários (art. 18, da Lei n. 7.347/85).
Dessarte, voto no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento, confirmando a sentença em sede de Reexame Necessário.

Documento eletrônico assinado por LUIZ FERNANDO BOLLER, Desembargador Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 4577264v19 e do código CRC a113207c.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): LUIZ FERNANDO BOLLERData e Hora: 14/5/2024, às 14:14:15

 

 












Apelação / Remessa Necessária Nº 0913532-15.2016.8.24.0033/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 0913532-15.2016.8.24.0033/SC



RELATOR: Desembargador LUIZ FERNANDO BOLLER


APELANTE: MUNICÍPIO DE ITAJAÍ/SC (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


EMENTA


APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA EM 05/05/2016. VALOR ATRIBUÍDO À CAUSA: R$ 10.000,00.
OBJETIVADA CONDENAÇÃO DO MUNICÍPIO DE ITAJAÍ E CARELLI PROPRIEDADES LTDA. EM OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER, CONSISTENTE NA PROIBIÇÃO E ABSTENÇÃO DE REALIZAR QUALQUER EDIFICAÇÃO NO IMÓVEL REGISTRADO SOB A MATRÍCULA N. 42.161 DO 1º OFÍCIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DE ITAJAÍ, LOCALIZADO NA RODOVIA OSVALDO REIS, BAIRRO PRAIA BRAVA EM ITAJAÍ, EM DESACORDO COM OS PADRÕES CONSTRUTIVOS REFERENTES A ZONA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL - ZPA 1.
VEREDICTO DE PROCEDÊNCIA.
INSURGÊNCIA DO MUNICÍPIO DE ITAJAÍ (CORRÉU).
DENUNCIADA INADEQUAÇÃO DA VIA PROCESSUAL ELEITA, SOB O ARGUMENTO DE QUE O ART. 80 DA LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL N. 215/12 TRATA DE NORMA DE EFEITOS ABSTRATOS.
ESPECULAÇÃO FRÍVOLA. ESCOPO ABDUZIDO.
CERNE DA QUAESTIO QUE PERPASSA PELA LEGALIDADE DO DISPOSITIVO, AO ANALISAR A ADEQUAÇÃO DO EMPREENDIMENTO PORSCHE DESIGN TOWERS BRAVA ÀS NORMATIVAS VIGENTES, DIANTE DA DEGRADAÇÃO AMBIENTAL QUE DE SUA EDIFICAÇÃO PODERÁ RESULTAR, VISTO QUE ABRANGE A CONSTRUÇÃO DE 4 TORRES, COM 32 PAVIMENTOS E 740 UNIDADES HABITACIONAIS NO CORREDOR DA RODOVIA OSWALDO REIS, NO "MORRO CORTADO" EM ITAJAÍ, EM MEIO A BIOMA DA MATA ATLÂNTICA.
ALEGADA CONSTITUCIONALIDADE E VALIDADE DO PRECEITO LEGAL CONSTANTE NO ART. 80 DA LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL N. 215/12, POR CONFIGURAR EXCEÇÃO À REGRA GERAL DISPOSTA NO CÓDIGO DE ZONEAMENTO, PARCELAMENTO E USO DO SOLO NO MUNICÍPIO.
LUCUBRAÇÃO INFECUNDA. INTENTO BALDADO.
REGRAMENTO QUE DEFINE PARÂMETROS PARA DETERMINADA REGIÃO INSERIDA EM ZPA 1-ZONA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL 1 EM TOTAL DESACORDO COM OS PADRÕES CONSTRUTIVOS REFERENTES AO ZONEAMENTO.
AMPLIAÇÃO E FLEXIBILIZAÇÃO DE CRITÉRIOS CONSTRUTIVOS, QUE VIABILIZAM EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO COM RELEVANTE PODER DE DEGRADAÇÃO AMBIENTAL.
ILEGALIDADE PATENTEADA, ANTE O CONFRONTO DIRETO COM A PRÓPRIA LEGISLAÇÃO INTRÍNSECA DO MUNICÍPIO DE ITAJAÍ.
PRECEDENTES.
"A vigência de normas de proteção ambiental mais restritivas, previstas na legislação municipal e federal, obstaculiza a aplicação de lei estadual que flexibiliza a utilização e construção em imóveis situados em área de preservação permanente (Desembargador Luiz Cézar Medeiros)" (TJSC, Agravo de Instrumento n. 5023400-46.2022.8.24.0000, rel. Des. Francisco José Rodrigues de Oliveira Neto, Segunda Câmara de Direito Público, j. em 07/03/2023).
DECISÃO MANTIDA.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 
SENTENÇA CONFIRMADA EM SEDE DE REEXAME NECESSÁRIO.

ACÓRDÃO


Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, confirmando a sentença em sede de Reexame Necessário, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 14 de maio de 2024.

Documento eletrônico assinado por LUIZ FERNANDO BOLLER, Desembargador Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 4577265v13 e do código CRC c48759c5.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): LUIZ FERNANDO BOLLERData e Hora: 14/5/2024, às 14:14:15

 

 










EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 14/05/2024

Apelação / Remessa Necessária Nº 0913532-15.2016.8.24.0033/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ FERNANDO BOLLER

PRESIDENTE: Desembargador PAULO HENRIQUE MORITZ MARTINS DA SILVA

PROCURADOR(A): AMERICO BIGATON
APELANTE: MUNICÍPIO DE ITAJAÍ/SC (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual do dia 14/05/2024, na sequência 41, disponibilizada no DJe de 26/04/2024.
Certifico que a 1ª Câmara de Direito Público, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 1ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E NEGAR-LHE PROVIMENTO, CONFIRMANDO A SENTENÇA EM SEDE DE REEXAME NECESSÁRIO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador LUIZ FERNANDO BOLLER
Votante: Desembargador LUIZ FERNANDO BOLLERVotante: Desembargador PAULO HENRIQUE MORITZ MARTINS DA SILVAVotante: Desembargador JORGE LUIZ DE BORBA
PRISCILA LEONEL VIEIRASecretária