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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 5049966-95.2023.8.24.0000 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Luiz Cézar Medeiros
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Órgão Especial
Julgado em: Wed Apr 03 00:00:00 GMT-03:00 2024
Classe: Direta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial)

 


Citações - Art. 927, CPC: Repercussão Geral: 878911








Direta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial) Nº 5049966-95.2023.8.24.0000/SC



RELATOR: Desembargador LUIZ CÉZAR MEDEIROS


AUTOR: PREFEITO - MUNICÍPIO DE CONCÓRDIA/SC - CONCÓRDIA AUTOR: PROCURADOR-GERAL - MUNICÍPIO DE CONCÓRDIA/SC - CONCÓRDIA RÉU: CAMARA MUNICIPAL DE VEREADORES DE CONCORDIA


RELATÓRIO


O Prefeito Municipal de Concórdia ajuizou ação direta de inconstitucionalidade em face da Lei n. 5.813/2023, de 26 de julho, que "autoriza o transporte escolar de estudantes regularmente matriculados em instituições de Nível Superior, Curso Técnico profissionalizante e dá outras providências como especifica".
Aduziu que "em relação às leis 'autorizativas', a jurisprudência pátria firmou entendimento pela inconstitucionalidade nos casos em que autorizam o que já é obrigação do respectivo Poder, visto que, 'quem pode autorizar, também poderia não autorizar'. O diploma impugnado, na prática, invadiu a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos poderes".
Acrescentou que "exsurge de forma cristalina a invasão do Poder Legislativo na iniciativa de projeto de lei de competência privativa do Prefeito, pois a Lei Municipal nº 5.813/2023 'autoriza' o Município a fornecer transporte gratuito de estudantes regularmente matriculados sem curso superior, curso de nível técnico ou profissionalizantes e, ainda, diz que competirá ao Município de Concórdia, organizar e prestar, diretamente ou sob o regime de concessão, o serviço de transporte coletivo de passageiros, exercer seu controle e fiscalização, bem como estabelecer a forma e as condições de contratação que lhe convierem".
Ao final, requereu a concessão da medida cautelar, determinando a suspensão imediata a eficácia da Lei Municipal n. 5.813/2023 e, posteriormente, a procedência do pedido inicial, com o reconhecimento da inconstitucionalidade da mencionada norma.
Intimada, a  Câmara Municipal de Vereadores de Concórdia prestou informações (evento 9, INF1). Aduziu, em preliminar, inépcia da petição incial em razão de impugnação genérica e abstrata da norma municipal. No mérito, disse que "a matéria em questão é de competência concorrente e não das matérias de competência privativa do Executivo Municipal previstas no art. 39 da LOM. Argumentar que estaria havendo invasão de competência é um equívoco de interpretação, pois em nenhum momento está mencionado no projeto vetado, qual a forma do Poder Executivo organizar e levar a efeito a Lei aprovada".
Sustentou que "poder-se-ia cogitar que o funcionamento do transporte escolar se equipara ao funcionamento da Administração Pública, o que, no entanto, não é verdade. Ao mencionar a expressão "funcionamento da Administração Pública", o legislador constituinte se referiu às questões internas (horários de funcionamento, criação e estruturação de órgãos, realocação de servidores etc.), mas, nem de longe pretendeu se referir aos serviços públicos".
Argumentou que "a lei impugnada em referência, não interfere na atividade administrativa municipal, visto que a matéria não se inclui na gestão exclusiva do prefeito (não há invasão de competência). Bem ao contrário disso, a norma se limita a dispor sobre organização, requisitos e funcionamento dos serviços públicos, visando seu melhoramento, o que não viola as prerrogativas do Poder Executivo Municipal".
Postulou "a) seja acolhida a preliminar de inépcia da inicial, julgando extinta a ação direta de inconstitucionalidade, sem resolução do mérito; b) improcedência do pedido de inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 5.813/2023, de 26 de julho de 2023, de Concórdia - SC, pelos fatos e fundamentos acima colacionados, em especial dado ao contido no Tema 717, do STF com repercussão geral, do RE com Agravo nº 878.911/RJ com repercussão geral, a da ADI 3394/AM e ADI 2672-1/ES, bem como, com fulcro nos arts. 61, §1º, 84, 175, IV da Constituição Federal e art. 9, I2 , e art. 1413 da Lei Orgânica de Concórdia;".
O Procurador-Geral do Município de Concórdia compareceu aos autos (evento 13, RESPOSTA1) para pleitear "sejam julgados integralmente procedentes os pedidos formulados na petição inicial, pelos fatos e fundamentos acima citados".
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra da doutora Gladys Afonso, pugnou pela "concessão da cautelar e da procedência do pedido, para que seja declarada inconstitucional a Lei n. 5.813, de 26 de julho de 2023, do município de Concórdia, por violação aos artigos 32, caput, 50, § 2º, inciso VI, e 71, inciso IV, alínea "a", da Constituição do Estado de Santa Catarina de 1989" (evento 19, PROMOÇÃO1).

VOTO


1 Colhe-se dos autos que a Câmara Municipal de Vereadores de Concórdia, após o veto do Prefeito Municipal, promulgou projeto de lei para autorizar o transporte escolar de estudantes regularmente matriculados em instituições de nível superior e curso técnico profissionalizante, dando origem à Lei Municipal n. 5.813, de 26 de julho de 2023.
Em razão de o feito estar pronto para julgamento, passar-se à análise do mérito em definitivo.
1.1 Primeiramente, necessária análise da proemial de inépcia da petição inicial, sustentada pela Câmara de Vereadores em suas informações (evento 9, INF1).
Razão não lhe assiste.
Cosoante sustentou a Procuradora de Justiça, doutora Gladys Afonso, "não há falar em incompletude ou incoerência capaz de impedir o julgamento da ação direta, descaracterizando a existência de inépcia da inicial. Isso porque, o procedimento da ADI é regido pelo princípio da causa de pedir aberta, mediante o qual o órgão julgador não está adstrito à fundamentação jurídica apresentada pelo legitimado ativo, sendo possível a declaração de inconstitucionalidade por fundamentos diversos daqueles apresentados pelo autor da ação direta, podendo percorrer toda a Constituição em sua análise" (evento 19, PROMOÇÃO1).
Ainda que assim não fosse, da peça inicial é possível extrair com clareza os apontados vícios que supostamente causam mácula à norma impugnada, bem como quais seriam os dispositivos constitucionais feridos com a edição da legislação municipal. Inexiste, pois, a alegada incoerência capaz de impedir a análise do pleito formulado.
Deste modo, rejeita-se a aventada preliminar.
1.2 Sobressai evidente dos autos que a referida norma, objeto da presente demanda, viola o princípio da separação de poderes insculpido nos arts. 32 e 50, § 2º, e 71, inc. IV, alínea "a", da Constituição do Estado de Santa Catarina.
Com efeito, dispõe o art. 71 da Carta Estadual:
 
"Art. 71. São atribuições privativas do Governador do Estado: 
[...]
"VI - dispor, mediante decreto, sobre:
"a) organização e funcionamento da administração estadual, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; e  [...]"
 
É inegável, portanto, que é atribuição privativa do Governador do Estado e, por simetria, dos Prefeitos Municipais, a iniciativa de leis que versem sobre a organização e funcionamento da administração, incluindo, evidentemente, o tema transporte gratuito de estudantes residentes no Município.
Certo é que a mencionada norma municipal interferiu, ainda que de forma indireta, na prestação do serviço público de transporte municipal, cuja iniciativa para elaboração de projeto de lei é privativa do Chefe do Poder Executivo.
Não se pode olvidar que o projeto legislativo, ao instituir e estender o transporte gratuito aos estudantes de nível superior, causou aumento das despesas aos cofres municipais, acarretando manifesta ingerência nas atribuição do Alcaide Municipal, responsável pela administração dos serviços públicos.
Além disso, adentrou em matéria afeta à organização da administração pública municipal, impondo ao Município o dever de organizar e prestar, diretamente ou por concessão, o mencionado transporte coletivo de forma gratuita, além de exercer seu controle e fiscalização.
Não há como negar a existência do alegado vicio formal que enseja a invalidade da norma municipal ora analisada.
A respeito do assunto, mutatis mutandis, leciona Alexandre de Moraes:
 
"As referidas matérias cuja discussão legislativa dependem da iniciativa privativa do Presidente da República (CF, art. 61, §1º) são de observância obrigatória pelos Estados-membros que, ao disciplinar o processo legislativo no âmbito das respectivas Constituições estaduais, não poderão afastar-se da disciplina constitucional federal" (Direito Constitucional. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 514).
 
No mesmo sentido é o ensinamento de Marcelo Caetano:
 
"Um projeto resultante de iniciativa inconstitucional sofre de um pecado original, que a sanção não tem a virtude de apagar, até porque, a par das razões jurídicas, militam os fortes motivos políticos que determinaram a exclusividade da iniciativa presidencial, cujo afastamento poderia conduzir a situações de intolerável pressão sobre o Executivo" (Direito Constitucional. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987. 2 v. p. 334).
 
No tocante à iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo, Hely Lopes Meirelles leciona:
 
"A privatividade de iniciativa do Executivo torna inconstitucional o projeto oriundo do Legislativo, ainda que sancionado e promulgado pelo Chefe do Executivo, porque as prerrogativas constitucionais são irrenunciáveis por seus titulares. Trata-se do princípio constitucional da reserva de administração, que impede a ingerência do Poder Legislativo em matéria administrativa de competência exclusiva do Poder Executivo ou, mesmo, do Judiciário" (Direito administrativo brasileiro. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 406).
 
O Supremo Tribunal Federal, no ARE n. 878.911, da relatoria do Min. Gilmar Mendes, submetido à repercussão geral, assentou que a organização e funcionamento da administração pública compreende a iniciativa de lei para criar, alterar a estrutura ou dispor sobre a atribuição de seus órgãos, ou, ainda, tratar do regime jurídico de servidores públicos. Nessa linha fixou a seguinte tese jurídica, relativa ao Tema 917: "Não usurpa competência privativa do Chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos (art. 61, § 1º, II, 'a', 'c' e 'e', da Constituição Federal)".
Nesse contexto, a competência privativa do Chefe do Poder Executivo para iniciativa de leis restringe-se às normas que tratem do funcionamento e a estruturação da Administração Pública, compreendidos os servidores e órgãos do Poder Executivo.
No caso vertente, a norma municipal, ao dispor sobre o serviço de transporte público municipal, além de gerar aumento de despesas, inegavelmente, implica modificação da estrutura e funcionamento da Administração Pública.
Esse é o entendimento sufragado também pelo colendo Supremo Tribunal Federal:
 
"EMBARGOS DECLARATÓRIOS EM AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS. LEIS QUE INTERFEREM NA GESTÃO DE CONTRATOS. INICIATIVA. PODER EXECUTIVO. VÍCIO FORMAL. AUSÊNCIA DE ERRO MATERIAL, OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. EMBARGOS REJEITADOS.
1. É de competência do Poder Executivo a iniciativa de leis que interfiram na gestão de contratos de concessão de serviços públicos, sob risco de configuração de vício formal de constitucionalidade, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
2. Os embargos de declaração não constituem meio hábil para reforma do julgado, sendo cabíveis somente quando houver no acórdão omissão, contradição, obscuridade ou erro material. 3. Embargos de declaração rejeitados" (RE 1391328 AgR-ED, Min. Edson Fachin, julgado em 03/04/2023) [sem grifo no original].
 
"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 11.066/2002, DO ESTADO DE SÃO PAULO. DIPLOMA LEGISLATIVO QUE DISCIPLINA A PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS DE CHAVEIRO E DE INSTALADOR DE SISTEMAS DE SEGURANÇA NAQUELA UNIDADE DA FEDERAÇÃO. LEI ESTADUAL RESULTANTE DE PROPOSTA LEGISLATIVA DE INICIATIVA PARLAMENTAR. CRIAÇÃO DE NOVAS ATRIBUIÇÕES ADMINISTRATIVAS A SEREM DESENVOLVIDAS PELA SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA ESTADUAL. MATÉRIA DE INICIATIVA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO LOCAL. VÍCIO DE INICIATIVA RECONHECIDO (CF, ART. 61, § 1º, II, "E", c/c o ART. 84, VI). CADASTRAMENTO OBRIGATÓRIO DOS PROFISSIONAIS PERANTE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E OBSERVÂNCIA DE CONDIÇÕES ESPECIAIS PARA O DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES. USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA DISPOR SOBRE CONDIÇÕES DE EXERCÍCIO DE PROFISSÕES (CF, ART. 22, XVI). PRECEDENTES. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL.
1. A Lei paulista nº 11.066/2002, de iniciativa parlamentar, criou diversas novas atribuições administrativas a serem desempenhadas pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, modificando substancialmente o rol de atividades funcionais daquele órgão da Administração Pública paulista, com evidente transgressão à prerrogativa titularizada pelo Governador de Estado para deflagrar o processo legislativo em matéria pertinente à organização e ao funcionamento da Administração Pública estadual (CF, art. 61, § 1º, II, "e", c/c o art. 84, VI).
2. O Diploma legislativo impugnado impõe aos chaveiros e instaladores de sistemas de segurança (a) o cadastramento prévio perante a Administração Pública, (b) a comprovação de idoneidade moral e (b) o controle, por meio de formulário padronizado, de informações sobre os serviços executados, as vendas efetuadas, os respectivos clientes e a autorização destes para a sua realização, usurpando a competência privativa da União Federal, para legislar sobre condições para o exercício de profissões (CF, art. 22, XVI).
3. Aos Estados-membros e ao Distrito Federal, em tema de regulamentação das profissões, cabe dispor apenas sobre questões específicas relacionadas aos interesses locais e somente quando houver delegação legislativa da União operada por meio de lei complementar (CF, art. 22, parágrafo único), inexistente na espécie.
4. A prestação de serviços por chaveiros e instaladores de sistemas de segurança foi classificada pelo Poder Executivo Federal como atividade econômica de baixo risco, garantida a liberdade de exercício, sem a necessidade de quaisquer atos públicos de liberação, conforme assegurado pelos princípios norteadores da Declaração de Direito de Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019, art. 3º, I).
5. Ação direta de inconstitucionalidade conhecida. Pedido julgado procedente" (ADI 3924, Min. Rosa Weber, Tribunal Pleno).[sem grifo no original].
 
"A disciplina normativa pertinente ao processo de criação, estruturação e definição das atribuições dos órgãos e entidades integrantes da Administração Pública estadual traduz matéria que se insere, por efeito de sua natureza mesma, na esfera de exclusiva iniciativa do Chefe do Poder Executivo local, em face da cláusula de reserva inscrita no art. 61, § 1º, II, e, da Constituição da República, que consagra princípio fundamental inteiramente aplicável aos Estados-membros em tema de processo legislativo. Precedentes do STF.
"- O desrespeito à prerrogativa de iniciar o processo de positivação do Direito, gerado pela usurpação do poder sujeito à cláusula de reserva, traduz vício jurídico de gravidade inquestionável, cuja ocorrência reflete típica hipótese de inconstitucionalidade formal, apta a infirmar, de modo irremissível, a própria integridade do ato legislativo eventualmente editado.
"Precedentes do STF" (ADI - Medida Cautelar - n. 1.391/SP, Min. Celso de Mello) [sem grifo no original].
 
No mesmo sentido extrai-se do voto proferido pelo Ministro Moreira Alves por ocasião do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 231-7:
 
"Adstringindo-me à questão da iniciativa das leis - que é a que interessa no caso sob julgamento -, a indagação a fazer-se é esta: dentre os princípios da Constituição Federal a serem observados obrigatoriamente pelo Estado estarão implícitos os que determinam a da competência dos Poderes quanto à iniciativa das leis?
"Impõe-se, a meu ver, a resposta afirmativa.
"Com efeito, dentre os princípios fundamentais que o Título I da Constituição Federal estabelece com relação ao Estado Democrático de Direito em que se constitui a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, se encontra o enunciado no artigo 2º: São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
"Em razão de o princípio da separação dos Poderes ser princípio fundamental do Estado Democrático de Direito na República Federativa do Brasil, e, portanto indissolúvel do regime democrático adotado em nosso país, não foi preciso como o faziam nossas Constituições anteriores, a partir da reforma constitucional de 1926, aludir expressamente, entre os princípios sensíveis da Constituição Federal cuja inobservância dá margem à intervenção federal nos Estados, ao da independência e harmonia dos Poderes, abarcado que estava ele no princípio sensível do regime democrático, aludido na parte final da letra 'a' do inciso VII do artigo 34 da atual Constituição. Mas tal foi o relevo que a Carta Magna vigente emprestou ao princípio da Separação dos Poderes que o incluiu entre as 'cláusulas pétreas', ao determinar que 'não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: ... 'III - a separação dos Poderes'.
"Para que esse princípio fundamental seja observado pelos Estados-membros, é, sem dúvida, indispensável que a organização dos Poderes estritamente estaduais (o Executivo, na figura de seu chefe, o Governador, e o Legislativo consubstanciado na Assembleia Legislativa unicameral a que a própria Constituição Federal alude) - deixemos de lado o Poder Judiciário que é de natureza nacional, estando suas linhas estruturais globais rigidamente fixadas na Carta Magna Federal, é, repito, sem dúvida, indispensável que a organização dos Poderes estritamente estaduais siga à dos Poderes federais correspondentes, máxime quanto ao âmbito de suas competências e funções, cuja invasão de limites de um por outro acarreta a violação da separação dos Poderes, caracterizada pela independência e harmonia deles. Ora, a fixação das competências de iniciativa legislativa exclusiva ou concorrente dos Poderes integra a organização destes, para caracterizar o âmbito de cada um deles em face dos outros do qual a violação dá margem, inclusive, à intervenção federal dos Estados-membros, que, por isso mesmo, não podem estabelecer esse âmbito à sua discrição. Assim sendo, as normas, que, no parágrafo 1º do artigo 61 da Constituição Federal, estabelecem as matérias cujas leis são da iniciativa exclusiva do Presidente da Republica, são da observância obrigatória pelos Estados-membros na correspondente fixação dessa iniciativa para seus Governantes" (JSTF - Lex, 174-21/23) [sem grifo no original].
 
A respeito do tema, destaca-se excerto do parecer lavrado pela doutora Gladys Afonso (evento 19, PROMOÇÃO1), cujos judiciosos argumentos adoto como parte de minhas razões de decidir:
 
"Não se está a depreciar a intenção do legislador em possibilitar o transporte gratuito de estudantes matriculados em instituições de nível superior e cursos técnicos profissionalizantes, mas esta previsão, partindo de iniciativa do Poder Legislativo, configura violação à regra constitucional que assegura ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa para edição de leis que disponham sobre seus serviços públicos, bem como, em consequência, afronta o princípio da harmonia e independência entre os poderes.
Nesse sentido, é a jurisprudência desse Egrégio Órgão Especial:
'AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 9.490/2014, DO MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS, DE INICIATIVA PARLAMENTAR. INSTITUIÇÃO DE TRANSPORTE GRATUITO PARA PACIENTES COM DOENÇA RENAL CRÔNICA EM TRATAMENTO NOS HOSPITAIS PÚBLICOS E NAS CLÍNICAS DE HEMODIÁLISE QUE MANTENHAM CONVÊNIO COM O SUS. INVASÃO DA COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. INDEVIDA INTERFERÊNCIA NA ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DE ÓRGÃOS DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL. AUMENTO DE DESPESAS PÚBLICAS. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL POR OFENSA AOS ARTS. 32; 50, § 2º, INCISO VI; 71, INCISOS I E IV, ALÍNEA "A", DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. EFEITOS EX TUNC.
"As leis que interferem diretamente nas atribuições das secretarias e dos órgãos administrativos estaduais [ou municipais], gerando maiores despesas aos cofres públicos, são de competência privativa do chefe do Poder Executivo. A ofensa a tal preceito acarreta insanável vício de inconstitucionalidade da norma, por usurpação de competência e, consequentemente, vulneração do princípio da separação de poderes (CE, arts. 32, 50, § 2º, VI, e 71, II e IV, a)" (TJSC - ADI n. 2000.021132-0, da Capital, Rel. Des. Luiz Carlos Freyesleben)
A Câmara Municipal de Concórdia defende que a norma não impõem ao Executivo a forma pela qual deverá levar a efeito as suas disposições. De fato, a lei impugnada "autoriza" o transporte escolar gratuito nos casos em que especifica. Entretanto, a característica de "lei autorizativa", por si só, não é capaz de afastar a inconstitucionalidade, porquanto as disposições contidas na lei vincularão o município em caso de implantação do referido benefício remuneratório. Assim, não poderiam ser extrapolados os limites da iniciativa legislativa, sob pena de desvirtuamento das regras constitucionais sobre a matéria.
[...]
Portanto, a Lei questionada, de origem parlamentar, além de ferir o princípio da separação de poderes (art. 32 da CESC), violaria a iniciativa do Prefeito para desencadear o processo legislativo na hipótese do art. 50, § 2º, inciso VI, bem como para expedir decretos municipais sobre essa matéria, conforme estabelece o art. 71, inciso IV, alínea "a", da CESC"
 
Dessarte, imperiosa a procedência do pedido para declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 5.813, de 26 de julho de 2023, do Município de Concórdia, por violação aos arts. 32, caput, 50, § 2º, inc. VI, e 71, inc. IV, alínea "a", da Constituição do Estado de Santa Catarina.
2 Ante o exposto, voto por conhecer do pedido e julgá-lo procedente para que seja declarada a inconstitucionalidade da Lei n. 5.813, de 26 de julho de 2023, do Município de Concórdia.

Documento eletrônico assinado por LUIZ CÉZAR MEDEIROS, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 4616854v51 e do código CRC f018a03f.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): LUIZ CÉZAR MEDEIROSData e Hora: 4/4/2024, às 14:31:17

 

 












Direta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial) Nº 5049966-95.2023.8.24.0000/SC



RELATOR: Desembargador LUIZ CÉZAR MEDEIROS


AUTOR: PREFEITO - MUNICÍPIO DE CONCÓRDIA/SC - CONCÓRDIA AUTOR: PROCURADOR-GERAL - MUNICÍPIO DE CONCÓRDIA/SC - CONCÓRDIA RÉU: CAMARA MUNICIPAL DE VEREADORES DE CONCORDIA


EMENTA


AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - VÍCIO DE INICIATIVA - LEI MUNICIPAL QUE INTERFERE EM SERVIÇO PÚBLICO MUNICIPAL E CRIA DESPESAS - TRANSPORTE ESCOLAR GRATUITO - INICIATIVA PRIVATIVA DO PODER EXECUTIVO - CE, ARTS. 32, 50, § 2º, INC. VI, E 71, INC. IV, ALÍNEA 'A' - EXEGESE - PROCEDÊNCIA DO PEDIDO
Padece de vício formal a legislação que trata de matéria cuja iniciativa é privativa do Chefe do Poder Executivo, como ocorre com a lei que interfere no regramento do transporte escolar gratuito, estendendo-o aos estudantes de curso superior, além de criar despesas não previstas pelo chefe do poder executivo.

ACÓRDÃO


Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, o Egrégio Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, conhecer do pedido e julgá-lo procedente para que seja declarada a inconstitucionalidade da Lei n. 5.813, de 26 de julho de 2023, do Município de Concórdia, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 03 de abril de 2024.

Documento eletrônico assinado por LUIZ CÉZAR MEDEIROS, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 4616855v14 e do código CRC b17769e9.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): LUIZ CÉZAR MEDEIROSData e Hora: 4/4/2024, às 14:31:17

 

 










EXTRATO DE ATA DA SESSÃO ORDINÁRIA FÍSICA DE 03/04/2024

Direta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial) Nº 5049966-95.2023.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ CÉZAR MEDEIROS

PRESIDENTE: Desembargador FRANCISCO JOSÉ RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO

PROCURADOR(A): MAURY ROBERTO VIVIANI
AUTOR: PREFEITO - MUNICÍPIO DE CONCÓRDIA/SC - CONCÓRDIA AUTOR: PROCURADOR-GERAL - MUNICÍPIO DE CONCÓRDIA/SC - CONCÓRDIA ADVOGADO(A): IZAIAS MARTINS DA SILVA (OAB SC030405) RÉU: CAMARA MUNICIPAL DE VEREADORES DE CONCORDIA ADVOGADO(A): LUIS HENRIQUE DOS SANTOS BIGATON (OAB SC022166) MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária Física do dia 03/04/2024, na sequência 1, disponibilizada no DJe de 14/03/2024.
Certifico que o Órgão Especial, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:O ÓRGÃO ESPECIAL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO PEDIDO E JULGÁ-LO PROCEDENTE PARA QUE SEJA DECLARADA A INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI N. 5.813, DE 26 DE JULHO DE 2023, DO MUNICÍPIO DE CONCÓRDIA.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador LUIZ CÉZAR MEDEIROS
Votante: Desembargador LUIZ CÉZAR MEDEIROSVotante: Desembargador SÉRGIO ROBERTO BAASCH LUZVotante: Desembargador TORRES MARQUESVotante: Desembargador RICARDO FONTESVotante: Desembargadora MARIA DO ROCIO LUZ SANTA RITTAVotante: Desembargador JAIME RAMOSVotante: Desembargador ALEXANDRE D'IVANENKOVotante: Desembargador SÉRGIO IZIDORO HEILVotante: Desembargador JOSÉ CARLOS CARSTENS KOHLERVotante: Desembargador JOAO HENRIQUE BLASIVotante: Desembargador JAIRO FERNANDES GONÇALVESVotante: Desembargador LUIZ FERNANDO BOLLERVotante: Desembargadora DENISE VOLPATOVotante: Desembargador ALTAMIRO DE OLIVEIRAVotante: Desembargador SAUL STEILVotante: Desembargador RODOLFO TRIDAPALLIVotante: Desembargador FRANCISCO JOSÉ RODRIGUES DE OLIVEIRA NETOVotante: Desembargador ANDRÉ CARVALHOVotante: Desembargador LUIZ ANTÔNIO ZANINI FORNEROLLIVotante: Desembargador STEPHAN K. RADLOFFVotante: Desembargador PEDRO MANOEL ABREU
GRAZIELA MAROSTICA CALLEGAROSecretária