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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 5008931-81.2021.8.24.0015 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Hildemar Meneguzzi de Carvalho
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Segunda Câmara Criminal
Julgado em: Tue Oct 17 00:00:00 GMT-03:00 2023
Classe: Apelação Criminal

 


Citações - Art. 927, CPC: Súmulas STJ: 1, 283, 126
Súmulas STF: 126








Apelação Criminal Nº 5008931-81.2021.8.24.0015/SC



RELATORA: Desembargadora HILDEMAR MENEGUZZI DE CARVALHO


APELANTE: MAURO FURST (ACUSADO) ADVOGADO(A): AHIMSA DA COSTA CANENA (OAB SC023893) ADVOGADO(A): MARLON PERUCI (OAB SC015122) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


Denúncia: o Ministério Público ofereceu denúncia em face de Mauro Furst, dando-o como incurso nas sanções do art. 2º, inc. II, da Lei n. 8.137/90, por 16 (dezesseis) vezes, na forma do art. 71 do Código Penal, em razão dos seguintes fatos:
[...] O denunciado, na condição de sócio-administrador de 'TRANSFURST TRANSPORTES LTDA. - ME', CNPJ n. 08.947.900/0001-52 e Inscrição Estadual n. 25.572.925-1, na época estabelecida na Rodovia BR 280, n. 5430, Sala 4, Bairro Alto das Palmeiras, em Canoinhas, atualmente cancelada por omissões de informações ao fisco, deixou de efetuar, no prazo legal, o recolhimento de R$ 21.943,94 (vinte e um mil novecentos e quarenta e três reais e noventa e quatro centavos) a título de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS cobrado de consumidores, montante superior ao valor do próprio capital social integralizado da empresa, locupletando-se ilicitamente mediante esse tipo de apropriação de valores em prejuízo ao estado de Santa Catarina, conforme declarado pelo sujeito passivo da obrigação por meio do PGDAS-D (Programa Gerador do Documento de Arrecadação do Simples Nacional - Declaratório) quanto aos meses de apuração de julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2012 e abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2013 documentos geradores da Dívida Ativa n. 16003022605, inscrita em 11/10/2016.
É de se registrar que o débito integral da dívida ativa supracitada foi objeto dos Parcelamentos n. 001 e 71100223540, os quais foram cancelados por inadimplemento, ocorrendo a suspensão da pretensão punitiva do Estado e do curso prescricional até 21/02/2015 e no período de 15/05/2017 a 21/04/2020, respectivamente, tudo conforme preceitua o § 2º do art. 83 da Lei n. 9.430/96, com nova redação dada pelo art. 6º da Lei n. 12.382/11 (vide extratos anexos). [...] (evento 1).
Sentença: o Juiz de Direito Eduardo Veiga Vidal julgou PROCEDENTE a denúncia para condenar Mauro Furst ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 10 (dez) meses de detenção, em regime inicial aberto, e ao pagamento da pena de multa de 16 (dezesseis) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo do fato, pela prática do delito descrito no art. 2º, inc. II, da Lei n. 8.137/90, por 15 (quinze) vezes, na forma do art. 71 do Código Penal. Substituiu-se a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, consistente em prestação pecuniária, no valor de 3 (três) salários mínimos, podendo ser parcelada em até 6 (seis) vezes (evento 44).
Trânsito em julgado: a sentença transitou em julgado para o Ministério Público (evento 46).
Recurso de apelação de Mauro Furst: a defesa sustentou, em síntese, que o recorrente deve ser absolvido do crime pelo qual foi condenado, em razão da atipicidade de sua conduta, por ausência de dolo específico e em razão das dificuldades financeiras que a empresa enfrentava (evento 53).
Contrarrazões do Ministério Público: a acusação impugnou as razões recursais, postulando o conhecimento do recurso e a manutenção da sentença condenatória (evento 59).
Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça: o Excelentíssimo Senhor Procurador de Justiça, Dr. Rogério A. da Luz Bertoncini, opinou pelo conhecimento e o desprovimento do recurso (evento 12 dos autos de Segundo Grau).
Este é o relatório.

Documento eletrônico assinado por HILDEMAR MENEGUZZI DE CARVALHO, Desembargadora Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 3994074v5 e do código CRC be39d4b7.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): HILDEMAR MENEGUZZI DE CARVALHOData e Hora: 17/10/2023, às 16:32:2

 

 












Apelação Criminal Nº 5008931-81.2021.8.24.0015/SC



RELATORA: Desembargadora HILDEMAR MENEGUZZI DE CARVALHO


APELANTE: MAURO FURST (ACUSADO) ADVOGADO(A): AHIMSA DA COSTA CANENA (OAB SC023893) ADVOGADO(A): MARLON PERUCI (OAB SC015122) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


VOTO


Trata-se de recurso de apelação interposto por  Mauro Furst contra a sentença que o condenou ao cumprimento da pena privativa de liberdade fixada em 10 (dez) meses de detenção, em regime inicial aberto, e ao pagamento da pena de multa de 16 (dezesseis) dias-multa, cada qual fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo do fato, por reconhecer que praticou o crime previsto no art. 2º, inc. II, da Lei n. 8.137/90, por 15 (quinze) vezes, na forma do art. 71 do Código Penal.
A reprimenda corporal foi substituída por pena restritiva de direito consistente em prestação pecuniária, no valor de 3 (três) salários mínimos, podendo ser parcelada em até 6 (seis) vezes.
 
1 - Do juízo de admissibilidade 
O recurso preenche os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual é conhecido.
 
2 - Do mérito
A defesa sustentou, em síntese, que o recorrente deve ser absolvido do crime pelo qual foi condenado, em razão da atipicidade de sua conduta, por ausência de dolo específico e em razão das dificuldades financeiras que a empresa enfrentava.
O pleito, adianta-se, não merece provimento.
O Ministério Público do Estado de Santa Catarina denunciou o apelante Mauro Furst como incurso no crime tipificado no art. 2°, inc. II, da Lei n. 8.137/90, na forma continuada, por 16 (dezesseis) vezes, diante das investigações realizadas que apontavam que:
[...] O denunciado, na condição de sócio-administrador de 'TRANSFURST TRANSPORTES LTDA. - ME', CNPJ n. 08.947.900/0001-52 e Inscrição Estadual n. 25.572.925-1, na época estabelecida na Rodovia BR 280, n. 5430, Sala 4, Bairro Alto das Palmeiras, em Canoinhas, atualmente cancelada por omissões de informações ao fisco, deixou de efetuar, no prazo legal, o recolhimento de R$ 21.943,94 (vinte e um mil novecentos e quarenta e três reais e noventa e quatro centavos) a título de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS cobrado de consumidores, montante superior ao valor do próprio capital social integralizado da empresa, locupletando-se ilicitamente mediante esse tipo de apropriação de valores em prejuízo ao estado de Santa Catarina, conforme declarado pelo sujeito passivo da obrigação por meio do PGDAS-D (Programa Gerador do Documento de Arrecadação do Simples Nacional - Declaratório) quanto aos meses de apuração de julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2012 e abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2013 documentos geradores da Dívida Ativa n. 16003022605, inscrita em 11/10/2016.
É de se registrar que o débito integral da dívida ativa supracitada foi objeto dos Parcelamentos n. 001 e 71100223540, os quais foram cancelados por inadimplemento, ocorrendo a suspensão da pretensão punitiva do Estado e do curso prescricional até 21/02/2015 e no período de 15/05/2017 a 21/04/2020, respectivamente, tudo conforme preceitua o § 2º do art. 83 da Lei n. 9.430/96, com nova redação dada pelo art. 6º da Lei n. 12.382/11 (vide extratos anexos). [...] (evento 1).
Assim está disposto o crime contra a ordem tributária previsto no art. 2º, inc. II, da Lei n. 8.137/90, in verbis:
Art. 2º. Constitui crime da mesma natureza:
[...] II - Deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos.
[...] Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
João Luiz Coelho da Rocha, citado por Edmar Oliveira Andrade Filho, pontifica:
[...] não estamos aqui cuidando de ação delituosa assemelhada à apropriação indébita, como já se imputava à conduta da fonte pagadora que não recolhia o imposto ou a contribuição social retidas em nome de outrem, a fonte recebedora.
Disso, aqui, não se trata, porque não se cuida do responsável legal pelo tributo, como era e é ali a hipótese da fonte pagadora, falando agora o dispositivo, expressamente, no não-recolhimento de tributo ou contribuição social descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo da obrigação (tributária).
Bem, não há dúvidas então que nesse tipo criminal o legislador está se reportando ao débito tributário próprio não pago.
Supõe-se, assim, no seguimento da descrição tipológica, que o industrial, ao vender e acrescer, como de lei, o IPI, na fatura, assim como o comerciante, em sua venda, embutindo e discriminando o ICMS, e que não vierem a pagar, no prazo esses tributos, estarão cometendo ilícito penal.
Trata-se, enfim, e em resumo, de pena privativa de liberdade, por inadimplência de débito próprio. E, rigorosamente falando, o caso de punição por dívida.
O ilustre advogado termina sua exposição criticando o alcance do dispositivo legal sob análise, mas reconhece que: "A verdade é que a norma legal incriminadora existe e não nos parece haver barreira de inconstitucionalidade que a afronte". (ROCHA, João Luiz Coelho. A Lei n. 8.137 e a prisão pro débito tributário. Revista de Direito Mercantil, n. 87, p. 68, in: ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Crimes contra a ordem tributária e contra a previdência social. São Paulo: Atlas, 2009. p. 138)
Acerca da constitucionalidade de referida norma, o pretório Excelso já se manifestou, há tempos, acerca do tema:
É certo que o ordenamento constitucional brasileiro, em preceito destinado especificamente ao legislador comum, proíbe a instituição de prisão civil por dívida, ressalvadas as hipóteses de infidelidade depositária e de inadimplemento de obrigação alimentar (CF, art. 5º, LXVIII).
Observo, no entanto, que a prisão de que trata o art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90, longe de reduzir-se ao perfil jurídico e à noção conceitual de prisão meramente civil, qualifica-se como sanção de caráter penal resultante, quanto à sua imponibilidade, da prática de comportamento juridicamente definido como ato delituoso.
A norma legal em questão encerra, na realidade, uma típica hipótese de prisão penal, cujos elementos essenciais permitem distingui-la, especialmente em função de sua finalidade e de sua natureza mesma, do instituto da prisão civil, circunstância esta que, ao menos em caráter delibatório, parece tornar impertinente a alegação de que o Estado, ao editar o art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90 (que define pena criminal, em decorrência da prática de delito contra a ordem tributária), teria transgredido, segundo sustentam os impetrantes, a cláusula vedatória inscrita no art. 5º, LXVII, da Carta Política, que proíbe - ressalvadas as hipóteses previstas no preceito constitucional em referência - a prisão civil por dívida.
[...] Assim sendo, tendo presente a relevante circunstância de que a norma legal, cuja constitucionalidade está sendo questionada incidenter tantum, definiu hipótese de sanção penal (penal criminal), por delito contra a ordem tributária, e considerando que o art. 2º, II, da lei n. 8.137/90, por isso mesmo, nenhuma prescrição veicula sobre o instituto da prisão civil por dívida, indefiro o pedido de medida liminar. (Liminar em Habeas Corpus n. 77.631/SC, rel. Min. José Celso de Mello Filho, j. em 3/8/1998)
Esta Corte não destoa: Apelação Criminal n. 0008944-92.2013.8.24.0033, de Itajaí, rel. Des. Carlos Alberto Civinski, j. em 27/9/2016; Apelação n. 0900365-83.2014.8.24.0005, de Balneário Camboriú, rela. Desa. Salete Silva Sommariva, j. em 20/9/2016; Apelação n. 0014215-67.2013.8.24.0038, de Joinville, rel. Des. Leopoldo Augusto Brüggemann, j. em 6/9/2016.
Pois bem.
A defesa assevera que não há prova do dolo de apropriação, em especial porque a sua posição como sócio-gerente da empresa não seria suficiente para comprovar a autoria delitiva.
A materialidade do ilícito está exaustivamente demonstrada nas provas trazidas ao processo pelos documentos acostados ao evento 1 dos autos originários, especialmente na representação criminal, no termo de inscrição em Dívida Ativa n. 16003022605, no extrato do PGDAS-D e  nos demonstrativos de débitos, todos juntados no evento 1, NOT_CRIME2.
Por oportuno, "a materialidade do crime previsto no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90 decorre da operação de venda da mercadoria e pode ser demonstrada por meio das notificações fiscais e da declaração de ICMS e movimento econômico" (TJSC, AC nº 0000651-19.2013.8.24.0071, de Tangará, Rel. Des. Getúlio Corrêa).
Diante desse quadro, não remanesce dúvida sobre a ocorrência do fato gerador que ensejou a incidência do ICMS, na medida em que, sem olvidar da sua sistemática, que pode atender procedimento de compensação entre crédito e débito, o fato é que o próprio contribuinte quem lança todas as informações necessárias para a liquidação do valor a ser recolhido ou restituído.
Logo, são dispensadas outras considerações para ratificar o que foi fundamentado na sentença quanto à comprovação da materialidade delitiva.
A autoria, do mesmo modo, é inconteste.
Com efeito, o recorrente exercia a função de sócio-administrador da empresa TRANSFURST TRANSPORTES LTDA. - ME, à época dos fatos, comprovado pelos dados extraídos das cláusulas contratuais (em especial da Cláusula 9ª - fl. 56 do evento 1 - NOT_CRIME2) e pela confirmação do apelante, em Juízo, de que seu nome constava no contrato social como sendo aquele que exercia o referido cargo.
Depreende-se que o apelante, na mencionada ocupação, teria deixado de repassar aos cofres públicos verba decorrente do recolhimento do imposto de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Destarte, no que tange à aventada tese de inexistência de dados concretos suficientes que justifiquem o juízo de convicção necessário à sua condenação, por entender que não caberia o decreto condenatório sem mais provas nesse sentido, especialmente por alegar que não haveria dolo na sua conduta, razão não lhe assiste.
A defesa não logrou êxito em desconstituir tal presunção de responsabilidade, pois não há prova inequívoca de que desconhecia as sonegações cometidas.
É cediço que não se pode trabalhar com responsabilidade objetiva no âmbito criminal, contudo, as provas produzidas no feito estão a amparar a tese ministerial. 
Diante desse contexto, consoante preconiza a teoria do domínio do fato, mesmo na hipótese de não ter participado de fato da sonegação tributária, caracterizada está sua responsabilidade criminal, pois a ela cabia o controle e fiscalização da contabilidade fiscal da empresa, funções estas inerente ao administrador.
Em situações análogos, já decidiu esta Câmara: 
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. (ART. 1º, INCISO II, DA LEI N. 8.137/90 C/C ART. 71 DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. PLEITO ABSOLUTÓRIO SOB A TESE DE ATIPICIDADE DA CONDUTA, DIANTE DA AUSÊNCIA DE DOLO, E POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS, COM O RECONHECIMENTO DO PRINCÍPIO DO "IN DUBIO PRO REO". IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE, AUTORIA E ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO DEVIDAMENTE COMPROVADOS. APELANTE QUE, NA QUALIDADE DE SÓCIA ADMINISTRADORA DA PESSOA JURÍDICA, INSERIU ELEMENTOS INEXATOS NOS LIVROS EXIGIDOS PELA LEI FISCAL, APROPRIANDO-SE INDEVIDAMENTE DE DÉBITOS INDEVIDOS E NÃO PERMITIDOS  PELA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA, CONSTATADOS PELO CONFRONTO DOS VALORES CREDITADOS NOS LIVROS DE REGISTROS DE OPERAÇÕES ORIUNDAS DAS UNIDADES DA FEDERAÇÃO, BEM COMO DOS CRÉDITOS RELATIVOS ÀS AQUISIÇÕES DE PRODUTOS DE CESTAS BÁSICAS EM ALÍQUOTAS SUPERIORES AS PERMITIDAS. PROVA DOCUMENTAL E TESTEMUNHAL DANDO CONTA DA PRÁTICA DO ATO ILÍCITO. MANUTENÇÃO DO DECRETO CONDENATÓRIO QUE SE MOSTRA NECESSÁRIA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.  (TJSC, Apelação Criminal n. 0900302-32.2017.8.24.0012, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Norival Acácio Engel, Segunda Câmara Criminal, j. 26-01-2021).
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. FALTA DE RECOLHIMENTO DE ICMS EM CONTINUIDADE DELITIVA (LEI 8.137/90, ART. 2º, II, C/C O ART. 71, CAPUT, CP). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DO ACUSADO.   ALEGADA INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. CONDUTA DELITUOSA DESCRITA COM CLAREZA NA DENÚNCIA E LASTREADA NA APURAÇÃO INTENTADA PELA AUTORIDADE FISCAL. CONDIÇÃO CONTRATUAL DE SÓCIO ADMINISTRADOR EXCLUSIVO QUE PERMITE A INCLUSÃO NO POLO PASSIVO.   MATERIALIDADE COMPROVADA. NOTIFICAÇÕES FISCAIS NÃO CONTESTADAS. AUTORIA DEMONSTRADA. ACUSADO QUE FIGURAVA CONTRATUALMENTE COMO ADMINISTRADOR ÚNICO DA PESSOA JURÍDICA NO TEMPO DOS FATOS. RESPONSABILIDADE PELO CORRETO PAGAMENTO DOS TRIBUTOS.   DOLO GENÉRICO COMPROVADO. FALTA DO RECOLHIMENTO DO IMPOSTO QUE APERFEIÇOA O TIPO PENAL. AGENTE QUE DELIBERADAMENTE DEIXA DE REPASSAR O TRIBUTO. DOLO ESPECÍFICO NÃO EXIGIDO PELO TIPO PENAL. CONTINUIDADE DELITIVA. SONEGAÇÃO DO ICMS QUE SE CONFIGURA MÊS A MÊS, QUANDO DO VENCIMENTO DO PRAZO DE RECOLHIMENTO DO TRIBUTO. ACUSADO QUE PRATICOU DELITOS TRIBUTÁRIOS EM 6 MESES DIVERSOS. HIPÓTESE QUE AUTORIZA O AUMENTO DA PENA EM 1/2.   HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. NOMEAÇÃO NO INÍCIO DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. VERBA NÃO FIXADA NA SENTENÇA. REMUNERAÇÃO PELA DEFESA NA ORIGEM E INTERPOSIÇÃO DE RECURSO QUE SE IMPÕE.   RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Apelação Criminal n. 0900345-96.2014.8.24.0036, de Jaraguá do Sul, rel. Sérgio Rizelo, Segunda Câmara Criminal, j. 24-07-2018).
Segundo a doutrina e jurisprudência, "é responsável tributário, por substituição, o industrial, o comerciante, o prestador de serviço, relativamente ao imposto devido pelas anteriores ou subsequentes saídas de mercadoria ou, ainda, por serviços prestados por qualquer outra categoria de contribuinte". (STF RE 213.396 IN DECOMAIN. Pedro, Roberto. p. 448. Crimes contra a ordem tributária.4. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2008)
Nesse sentido já decidiu o Tribunal Catarinense:
APELAÇÃO CRIMINAL - CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (ART.2°, INCISO II, DA LEI N. 8.137/90) EM CONTINUIDADE DELITIVA - SENTENÇA CONDENATÓRIA - RECURSO DA DEFESA PRELIMINAR - NULIDADE DO FEITO - AVENTADA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA DEFLAGRAÇÃO DA PERSECUTIO CRIMINIS - INOCORRÊNCIA - AUSÊNCIA DE ESGOTAMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA PRESCINDÍVEL PARA A CONFIGURAÇÃO DO DELITO PREVISTO NO ART. 2° DA LEI N° 8.137/90. Os crimes previstos no art. 2° da Lei n.8.137/90 dispensam a ocorrência do resultado naturalístico para a sua tipificação, razão pela qual é prescindível a constituição definitiva do crédito tributário para que se inicie a persecução penal. Precedentes. PLEITO ABSOLUTÓRIO - MATERIALIDADE E AUTORIA INCONTESTES - COMERCIANTE QUE SE APROPRIA DO IMPOSTO COBRADO OU DESCONTADO DE TERCEIRO A TÍTULO DE ICMS E NÃO REPASSA AO FISCO - DECLARAÇÃO NA DIMES QUE NÃO AFASTA A OBRIGAÇÃO DE RECOLHER O TRIBUTO - AUSÊNCIA DE RECOLHIMENTO DO TRIBUTO QUE TIPIFICA O CRIME - INEXIGILIDADE DE CONDUTA DIVERSA AFASTADA - DOLO EVIDENCIADO - CONDUTA TÍPICA QUE SE CONSUMA COM A SIMPLES OMISSÃO DE RECOLHER A VERBA DEVIDA - MERO INADIMPLEMENTO TRIBUTÁRIO NÃO CONFIGURADO - PRECEDENTES. I - O crime de sonegação fiscal, tipificado no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90, ocorre quando o agente que, como contribuinte de direito, declara o valor do ICMS, mas não o recolhe aos cofres públicos, aquilo que lhe é devido por força de lei.  II - Eventual dificuldade financeira sofrida pela empresa não constitui fundamento idôneo para afastar a culpabilidade do administrador, uma vez que o ICMS é imposto indireto, cabendo à empresa (contribuinte de direito) tão somente a função de arrecadar e repassar os valores ao Fisco (TJSC, AC 0010808-97.2015.8.24.0033, rel. Des. Paulo Roberto Sartorato, j. 16.08.2018) RECURSO DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Criminal n. 0902742-36.2015.8.24.0023, de Palhoça, rel. Des. Luiz Antônio Zanini Fornerolli, Quarta Câmara Criminal, j. 03-10-2019).
Importa ressaltar que, o tributo de ICMS "é de natureza indireta, porquanto o contribuinte real é o consumidor da mercadoria objeto da operação (contribuinte de fato) e a empresa (contribuinte de direito) repassa, no preço da mesma, o imposto devido, recolhendo, após, aos cofres públicos o tributo já pago pelo consumidor de seus produtos". (AgRg no Ag 449.146/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 17/10/2002).
Nesse viés, o dever de arcar com o pagamento recai sobre o consumidor final, e não sobre aquele que possui o dever de repassar ao Fisco.
A par disso, e pela natureza fiscal do imposto Estadual em comento, cuja correta arrecadação é sobremaneira imprescindível à receita dos Estados da Federação, bem como pela gravidade das consequências sociais da prática da sonegação fiscal, o legislador entendeu por bem elencar a falta de recolhimento de tributo no rol dos crimes contra a ordem tributária.
Nessa lógica, a Lei n. 8.137/90 tratou de incriminar a conduta daquele que, na qualidade de sujeito passivo da obrigação tributária, na espécie, o contribuinte de direito, deixa de recolher ao erário, no prazo legal, o valor do tributo cobrado de terceiro, qual seja, do contribuinte de fato/consumidor final.
Assim, aquele que tem o dever de recolher é mero repassador dos valores arrecadados e, na administração da empresa, quando da realização do planejamento tributário, inclui no preço final da mercadoria a ser comercializada, o valor correspondente à alíquota do ICMS que será devido ao erário Estadual.
Por conseguinte, é o consumidor final, e não o próprio empresário quem arca, efetivamente, com o valor a ser pago ao Fisco, cabendo a este somente repassar, no prazo legal, os valores arrecadados. O contribuinte de direito não pode, assim, apropriar-se, de modo algum, ou sob qualquer argumento, de tais valores.
Nesse ponto, como já referido, está demonstrada pela cláusula Cláusula 9ª da 1ª Alteração Contratual da empresa em comento (fls. 55-57 do evento 1 - NOT_CRIME2) e da 2ª Alteração Contratual e de Cessão de Direitos Sociais (fls. 58-60 do evento 1 - NOT_CRIME2), que a TRANSFURST TRANSPORTES LTDA. - ME era administrada por Mauro Furst, cabendo administrá-la e representá-la, ativa ou passivamente, em Juízo ou fora dele, de modo que tinha como dever zelar para evitar ilegalidades que pudessem acarretar dano ao erário.
Se não bastasse, o apelante, em seu interrogatório judicial, confirmou que o seu nome estava como sócio-administrador da empresa à época dos fatos, declarando "que infelizmente os fatos aconteceram; que no início foi bastante difícil; que aconteceram os acidentes; que teve problemas na seara trabalhista e teve de indenizar carro e caminhão; que fez os parcelamentos e não conseguiu arcar; que a gota d'água foi o acidente que ocorreu em Canoinhas, que acabou vitimando uma pessoa; que depois não conseguiu mais; que tinha uma loja e uma transportadora; que o acidente de Canoinhas vitimou uma terceira pessoa, que não era funcionário do réu [...] que o ICMS não recolhido era referente à transportadora; que utilizou o ICMS recolhido porque precisou pagar a indenização do caminhão que tombou; que o fato aconteceu em 2011 ou 2012, não lembrando exatamente a data; que o acidente ocorreu nessa época, de 2011 ou 2012, sendo isso que recorda no momento; que teve de tentar consertar um caminhão; que tinha mais um caminhão; que em 2014 passou por um acidente que vitimou pessoas; que em 2011 não teve vítimas; que estava com dificuldades financeiras" (transcrição extraída da sentença de evento 44 e conferida da mídia audiovisual de evento 32, VÍDEO1).
Observa-se, portanto, que a prova documental e a confirmação do recorrente evidenciam que, de fato, o tributo declarado não foi recolhido. Verifica-se também, que em nenhum momento o insurgente ou a defesa negaram a existência do débito tributário, mas tão somente alegaram não ter sido efetuado o pagamento por ausência de condições financeiras de arcar com o tributo.
Certo que é um direito constitucional do réu em não querer esclarecer todos os fatos, como demonstrar de maneira escorreita a situação de hipossuficiência financeira supostamente enfrentada pela empresa, sem que isso possa ser interpretado em seu prejuízo. Porém, o seu silêncio quanto à comprovação efetiva de referida circunstância não o isenta de responsabilidade, pois conforme a alteração no contrato social, o apelante figurava como sócio-administrador da empresa à época dos fatos. Ou seja, estava à frente das decisões tomadas pela empresa. Porém, mencionada justificativa para o não recolhimento do imposto demonstra apenas as dificuldades financeiras da empresa, de modo que a existência de dívidas, por si só, não configura necessariamente a inexistência de recursos financeiros.
Sabe-se que, em crimes de matriz societária, a comprovação, pela acusação, de atos concretos de gestão é quase impossível, sendo certo que é a partir da documentação apresentada pela própria empresa, sobretudo pelo contrato social, que se pode inferir a autoria delituosa, servindo como prova de que aqueles que nele figuram possuem domínio do fato, ainda  que não exista atos pessoais.
Nesse sentido, explica Andreas Eisele sobre a responsabilidade daqueles previstos como administradores no contrato social:
Em princípio, o administrador de uma empresa possui o domínio de fato de todas as atividades que são realizadas por esta, eis que age por intermédio da pessoa jurídica. 
Nesse contexto, geralmente o contrato social indica o administrador de fato da empresa.
Essa individualização é um indício que gera a presunção de que este (em princípio e, até que, eventualmente, seja provado o contrário) é o emitente das linhas gerais de atuação da atividade empresarial.
Nesse caso, presume-se que as orientações referentes aos atos praticados no exercício da atuação empresarial foram emitidas (ainda que de forma genérica, indireta ou implícita) pelo administrador de fato que comanda a pessoa jurídica, independentemente da designação que este receber (gerente, diretor etc). [...] (Crimes contra a ordem tributária. 2 ed. p. 50/51. São Paulo: Dialética, 2002)
Assim, estabelecida a presunção de que o administrador da empresa é o sujeito ativo dos atos realizados em face da atuação empresarial, caso o fato tenha sido realizado sem que aquele possuísse seu domínio (controle), ao administrador cabe o ônus de produzir a prova que desconstitua a referida presunção, consoante art. 156 do Código de Processo Penal.
O acolhimento da tese da excludente de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa exige provas cabais que demonstrem que o não recolhimento do ICMS deu-se exclusivamente por eventuais problemas financeiros suportados pela pessoa jurídica e que a legislação tributária foi desrespeitada após frustradas alternativas para tentar adimplir com a obrigação perante o fisco. Como dito, o recorrente não se desincumbiu minimamente do ônus probatório.
Cabe pontuar que a tese defensiva perde força na medida em que o apelante é contumaz no inadimplemento dos débitos tributários. Conforme bem asseverado na denúncia, a ele é imputada a prática de dezesseis condutas distintas.
A saber, depreende-se da jurisprudência deste Sodalício:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. SONEGAÇÃO FISCAL, EM CONTINUIDADE DELITIVA (LEI 8.137/1990, ART. 2º, II, POR DOZE VEZES, NA FORMA DO ART. 71, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA CONDENATÓRIA. INSURGIMENTO DA DEFESA [...] APONTADA ESCASSEZ DE RECURSOS FINANCEIROS. IRRELEVÂNCIA. DERROCADA ECONÔMICA INSUFICIENTE PARA, POR SI SÓ, AFASTAR A CULPABILIDADE A TÍTULO DE INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. RISCO INERENTE À OPERAÇÃO EMPRESARIAL. A penúria financeira não consiste em argumento idôneo para afastar a culpabilidade, tal qual alegada a título de inexigibilidade de conduta diversa, porquanto inerente ao risco próprio da atividade empresarial, sem se olvidar que, na esteira do art. 156, caput, primeira parte, do CPP, não se fez prova incontestável a respeito. [...] RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Criminal n. 5009234-60.2020.8.24.0038, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Luiz César Schweitzer, Quinta Câmara Criminal, j. 18-11-2021).
Ademais, consoante entendimento expresso da Suprema Corte, em apreciação do RHC n. 163.334/SC, fixou-se a seguinte tese a respeito da tipicidade do delito previsto no art. 2.°, II, da Lei n. 8.137/1990: "O contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2o, II, da Lei n. 8.137/1990". Disse, ainda, que o referido precedente reforça a jurisprudência desta Corte a respeito da tipicidade do não recolhimento de ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço, porém, acrescenta duas novas condições para a caracterização do delito: a) prática contumaz e b) dolo de apropriação.
No caso em análise, têm-se que a conduta não ocorreu de forma eventual, mas sim por inúmeras vezes (julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2012 e abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2013 - Dívida Ativa n. 16003022605, inscrita em 11/10/2016), sem que o recorrente tivesse, ao menos, adotado outras medidas em relação à administração da empresa, configurando, assim, a reiteração da conduta.
Ou seja, pesam contra ele omissões de recolhimento suficientes a caracterizar comportamento reiterado e afastar qualquer possibilidade de absolvição por atipicidade criminosa, em linha com o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal:
"A jurisprudência desta Corte tem entendido que a prática reiterada do ilícito penal em apreço, não só configura reiteração a ponto de justificar a continuidade delitiva e, por consequência a aplicação do critério progressivo na exasperação (tal como reconhecido e aplicado na sentença), como evidencia, sim, a contumácia, lembrando-se que, no caso em exame, foram nove infrações à ordem tributária." (TJSC, Apelação Criminal n. 0901326-80.2018.8.24.0038, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Carlos Alberto Civinski, Primeira Câmara Criminal, j. 17-02-2022)
Já quanto ao dolo específico, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça ensina que "é tarefa a ser realizada a partir das circunstâncias fáticas do delito" (AgRg no HC n. 682.954/SC). 
No caso concreto, em que pese a defesa suscite, nas razões recursais, não haver dolo em sua conduta, ao ser diretamente questionado sobre os fatos que lhes foram imputados, o recorrente, reitero, afirmou, em Juízo, que os fatos narrados na exordial acusatória eram verdadeiros e o motivo de não ter pago os tributos seria por ausência de condições financeiras.
Com efeito, mesmo que demonstrada eventual dificuldade financeira do apelante, verifica-se que ele não tomou nenhuma medida paliativa para revertê-la, pois poderia ter procurado o fisco para renegociar ou parcelar a dívida, requerer uma dação em pagamento, ou até mesmo uma recuperação judicial; porém, em momento algum verificou-se que o insurgente buscou solucionar a situação. 
Além disso, vislumbra-se que houve o dolo por parte do apelante, consistente na vontade livre e consciente de deixar de recolher o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação - ICMS, até na qualidade de substituto tributário, pois a omissão do recorrente em procurar corrigir o reiterado prejuízo causado ao erário, por si só, demonstra evidente intenção, consciente e deliberada, de ganho ilícito.
Nesse sentido:
APELAÇÕES CRIMINAIS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. FALTA DE RECOLHIMENTO DE ICMS EM CONTINUIDADE DELITIVA CIRCUNSTANCIADO PELO GRAVE DANO À COLETIVIDADE (LEI 8.137/90, ART. 2º, II, C/C O 12, I, NA FORMA DO 71, CAPUT, DO CP). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSOS DOS ACUSADOS. 1. INÉPCIA DA DENÚNCIA. EXPOSIÇÃO DO FATO CRIMINOSO (CP, ART. 41). LEGITIMIDADE PASSIVA. ADMINISTRADORES. 2. ATIPICIDADE. OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA PRÓPRIA. INADIMPLÊNCIA FISCAL. 3. PROVA DA AUTORIA. CONTRATO SOCIAL PROCURAÇÃO PÚBLICA. ADMINISTRADOR DA PESSOA JURÍDICA. PAGAMENTO DOS TRIBUTOS. RESPONSABILIDADE. NEGATIVA DE GESTÃO. AUSÊNCIA DE PROVA. ÔNUS (CPP, ART. 156). 4. DOLO DE APROPRIAÇÃO. DÍVIDA ATIVA SUPERIOR AO CAPITAL SOCIAL. REITERADAS SONEGAÇÕES. AÇÕES PENAIS EM CURSO. 5. DIFICULDADES FINANCEIRAS. IMPOSTO COBRADO OU DESCONTADO DE TERCEIRO. 6. ERRO SOBRE A ILICITUDE DO FATO (CP, ART. 21). ADMINISTRADORES DE PESSOA JURÍDICA. CONHECIMENTO DA LEI. TEMA DE DOMÍNIO PÚBLICO. 7. CAUSA DE AUMENTO. GRAVE DANO À COLETIVIDADE (LEI 8.137/90, ART. 12, I). VALOR SONEGADO. MULTA E JUROS. [...] 2. O ICMS inclui-se na categoria de tributo indireto, na qual o ônus da incidência tributária é transferido pelo contribuinte a terceiro, por meio da sua inclusão no preço da mercadoria ou no valor da prestação de serviços, de modo que, ao cobrá-lo, declará-lo e não repassá-lo aos cofres públicos, o sujeito passivo pratica a elementar de não recolhimento de tributo "descontado ou cobrado" prevista no art. 2º, II, da Lei 8.137/90, seja em operações próprias ou por substituição tributária, ao passo que a criminalização da conduta não padece de inconvencionalidade ou inconstitucionalidade e não se assemelha à prisão civil por dívida, porquanto é penalmente relevante e não se equipara à mera inadimplência fiscal. 3. A infração penal-tributária consistente em inadimplir ou não arrecadar corretamente o imposto aproveita aos proprietários e administradores da pessoa jurídica, os quais detêm o controle final do fato porque decidem sobre sua prática e suas circunstâncias, de modo que a disposição estatutária que atribui ao acusado, na época dos fatos, a administração da empresa, é suficiente, em regra, à comprovação da autoria, sendo dele o encargo de desconstituir a conclusão lógica que do escrito e comprovado sobressai. 4. Há dolo de apropriação quando o débito inscrito em dívida ativa possui valor superior ao capital social integralizado, bem como diante da prática de sonegação, por cada acusado, por nove e por trinta e um meses, e do fato de eles responderem a diversas outras ações penais por delitos da mesma natureza. 5. Em razão da natureza do ICMS, que é incluído no preço cobrado na venda de mercadoria ou na prestação de serviço, sendo obrigação da pessoa jurídica que o cobra unicamente remeter ao erário o que foi repassado ao consumidor, o simples não recolhimento do tributo declarado aperfeiçoa o delito, e a alegação de que a empresa passava por dificuldades financeiras não enseja o reconhecimento da atipicidade da conduta.[...] RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS.  (TJSC, Apelação Criminal n. 5023075-88.2021.8.24.0038, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Sérgio Rizelo, Segunda Câmara Criminal, j. 21-06-2022).
Em complemento, ainda que o insurgente tivesse, inicialmente, parcelado os débitos, sem, contudo, conseguir honrá-los, este é o entendimento esposado por este egrégio Órgão Fracionário, "Há dolo de apropriação quando o agente, apesar de ter promovido parcelamentos do débito, quitou poucas parcelas, o que não condiz com uma séria tentativa de regularização do débito, que está inscrito em dívida ativa há cerca de seis anos e possui valor superior ao capital social integralizado, bem como diante da prática de sonegação por onze meses." (TJSC, Apelação Criminal n. 0905831-80.2019.8.24.0038, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Sérgio Rizelo, Segunda Câmara Criminal, j. 31-05-2022).
Assim, o delito praticado pelo apelante, consistente em não repassar ao Estado aquilo que lhe é devido por força de lei, configura-se no momento da falta de recolhimento do tributo, sobretudo quando evidenciada a contumácia e o elemento subjetivo.
Sobre o tema, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, sedimentou o entendimento:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ACUSATÓRIO. SÚMULAS N. 126/STJ E 283/STJ. INAPLICABILIDADE. OFENSA REFLEXA A PRECEITO CONSTITUCIONAL. FUNDAMENTO INSUFICIENTE À MANUTENÇÃO DO ARESTO RECORRIDO. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 2.º, INCISO II, DA LEI N.º 8.137/1990. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA PROCEDIDA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. ATIPICIDADE DA CONDUTA. INSURGÊNCIA MINISTERIAL. CONTRARIEDADE AO ART. 395, INCISO II, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. ICMS PRÓPRIO DECLARADO E NÃO PAGO. VEROSSÍMIL TIPICIDADE FORMAL E MATERIAL. PRECEDENTES. REGULAR PROSSEGUIMENTO DA PERSECUÇÃO CRIMINAL. PERTINÊNCIA. EXEGESE DA SÚMULA N.º 709/STF. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. [...] 2. Em atual interpretação dada pela Terceira Seção desta Corte sobre o tema vertente, ficou assentado que configura-se, em tese, o crime previsto no art. 2.º, inciso II, da Lei n.º 8.137/1990, em qualquer hipótese de não recolhimento de ICMS, seja próprio ou por substituição, uma vez comprovada em juízo, após regular instrução criminal, a pretensão do agente de apropriar-se  - animus rem sibi habendi - dos valores tributados, ao não efetuar, no prazo legal, o recolhimento do imposto por este apenas retido pela venda de mercadorias. [....] 5. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp 1.464.941/GO, rela. Mina. Laurita Vaz, j. em 3/9/2019, DJUe 17/9/2019)
E também:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. INEXISTÊNCIA DE CONFRONTO ANALÍTICO. DOLO. COMPROVAÇÃO. DEVEDOR CONTUMAZ. CARACTERIZAÇÃO. ALEGAÇÃO DE QUE A EMPRESA SE ENCONTRA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. TEMA NÃO ANALISADO NA ORIGEM. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1.Consoante dispõe o art. 255, § 1º, do RISTJ, quando o recurso fundar-se em dissídio jurisprudencial, o recorrente fará a prova da divergência com o necessário confronto analítico, impondo-se mencionar as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados, o que não foi feito no caso. 2. O inadimplemento da obrigação tributária, com a apropriação do crédito relativo ao ICMS, sem que haja a presença dos elementos intelectual e volitivo que compõem a estrutura do delito, jamais poderá constituir-se crime. Na espécie, a presença do dolo e a inexistência de causa excludente de ilicitude ou de culpabilidade foram devidamente explicitados pelo acórdão proferido na origem, destacando-se o fato de que a conduta dos recorrentes persistiu por meses, situação de contumácia que é albergada pela orientação firmada no âmbito desta Corte e do STF. 3. As argumentações defensivas relacionadas ao fato de empresa se encontrar em recuperação judicial ou a circunstância de que ela possuiria possui créditos com o fisco estadual, não foram analisadas pelo Tribunal de origem, de modo que não há como pretender o exame dessas questões nesta oportunidade, seja porque se trata de inovação, seja porque não há o necessário prequestionamento. 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp n. 1.883.589/SC, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 10/8/2021, DJe de 16/8/2021.)
Não é outro o entendimento adotado por esta Segunda Câmara Criminal: Apelação Criminal n. 0900029-16.2018.8.24.0013, de Campo Erê, rel. Des. Norival Acácio Engel, j. em 3/3/2020.
Dessa forma, não se vislumbra a alegada atipicidade da conduta. Repisa-se, o crime tributário consuma-se justamente quando o sujeito passivo, de forma consciente e reiterada, deixe de repassar ao fisco os valores devidos no prazo previsto em lei com o intuito de apropriar-se desses valores, o que restou amplamente demonstrado no caso em análise, razão pela qual não há falar em absolvição.
Neste viés, "o próprio levantamento do fiscal, que tem presunção de veracidade, é suficiente como prova da materialidade do crime". (Balera: 249; Belucci, 1994, p. 115 apud BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crimes Federais. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 386)
Mantém-se incólume, portanto, o juízo condenatório.
Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento.

Documento eletrônico assinado por HILDEMAR MENEGUZZI DE CARVALHO, Desembargadora Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 3994075v9 e do código CRC a77a6b8c.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): HILDEMAR MENEGUZZI DE CARVALHOData e Hora: 17/10/2023, às 16:32:1

 

 












Apelação Criminal Nº 5008931-81.2021.8.24.0015/SC



RELATORA: Desembargadora HILDEMAR MENEGUZZI DE CARVALHO


APELANTE: MAURO FURST (ACUSADO) ADVOGADO(A): AHIMSA DA COSTA CANENA (OAB SC023893) ADVOGADO(A): MARLON PERUCI (OAB SC015122) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


EMENTA


APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA EM CONTINUIDADE DELITIVA (ART. 2º, INC. II, DA LEI N. 8.137/90 C/C O ART. 71, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA.
MÉRITO. PLEITO ABSOLUTÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS COMPROVADAS. SANÇÃO RESULTANTE DA PRÁTICA DE COMPORTAMENTO LEGALMENTE DEFINIDO COMO CRIME. LEVANTAMENTO FISCAL QUE É SUFICIENTE PARA ATESTAR A MATERIALIDADE DO CRIME. APELANTE QUE FIGURA COMO SÓCIO-ADMINISTRADOR NO QUADRO SOCIAL DA EMPRESA. DOMÍNIO DO FATO. CONDIÇÃO DE ADMINISTRADOR ISOLADO DA EMPRESA QUE LHE IMPÕE A OBRIGAÇÃO DE FISCALIZAÇÃO E ATUAÇÃO NOS DITAMES DA LEGISLAÇÃO FISCAL PERTINENTE. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO PELA DEFESA DE QUE NÃO EXERCIA RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DA EMPRESA, ÔNUS QUE LHE INCUMBIA POR FORÇA DO ART. 156 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. AUTORIA VERIFICADA. ALEGADA ATIPICIDADE DA CONDUTA POR AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. TESE QUE NÃO PROCEDE. CONTUMÁCIA DELITIVA E DOLO DE APROPRIAÇÃO, NOS TERMOS FIXADOS PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, IGUALMENTE CONFIGURADOS. APELANTE QUE, ENQUANTO GESTOR DA EMPRESA CONTRIBUINTE, DEIXOU DE RECOLHER O ICMS PRÓPRIO POR ALARGADO PERÍODO DE TEMPO. CONTUMÁCIA DA CONDUTA COMPROVADA E QUE REVELA O DOLO DE APROPRIAÇÃO. DOLO EVIDENCIADO, TAMBÉM, NA OMISSÃO DO RECORRENTE EM PROCURAR CORRIGIR O REITERADO PREJUÍZO CAUSADO AO ERÁRIO. SUPOSTA INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA ORIUNDA DE DIFICULDADES FINANCEIRAS. INADMISSIBILIDADE, NA ESPÉCIE. CONDENAÇÃO MANTIDA.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

ACÓRDÃO


Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 17 de outubro de 2023.

Documento eletrônico assinado por HILDEMAR MENEGUZZI DE CARVALHO, Desembargadora Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 3994076v4 e do código CRC 5fc7865a.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): HILDEMAR MENEGUZZI DE CARVALHOData e Hora: 17/10/2023, às 16:32:1

 

 










EXTRATO DE ATA DA SESSÃO ORDINÁRIA FÍSICA DE 17/10/2023

Apelação Criminal Nº 5008931-81.2021.8.24.0015/SC

RELATORA: Desembargadora HILDEMAR MENEGUZZI DE CARVALHO

PRESIDENTE: Desembargadora HILDEMAR MENEGUZZI DE CARVALHO

PROCURADOR(A): MARCILIO DE NOVAES COSTA
APELANTE: MAURO FURST (ACUSADO) ADVOGADO(A): AHIMSA DA COSTA CANENA (OAB SC023893) ADVOGADO(A): MARLON PERUCI (OAB SC015122) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária Física do dia 17/10/2023, na sequência 83, disponibilizada no DJe de 02/10/2023.
Certifico que a 2ª Câmara Criminal, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 2ª CÂMARA CRIMINAL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E NEGAR-LHE PROVIMENTO.

RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora HILDEMAR MENEGUZZI DE CARVALHO
Votante: Desembargadora HILDEMAR MENEGUZZI DE CARVALHOVotante: Desembargador ROBERTO LUCAS PACHECOVotante: Desembargador SÉRGIO RIZELO
FELIPE FERNANDES RODRIGUESSecretário