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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 5022515-95.2023.8.24.0000 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Alexandre d'Ivanenko
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Órgão Especial
Julgado em: Wed Oct 04 00:00:00 GMT-03:00 2023
Classe: Direta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial)

 









Direta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial) Nº 5022515-95.2023.8.24.0000/SC



RELATOR: Desembargador ALEXANDRE D'IVANENKO


AUTOR: ASSOC BRASILEIRA DE CONCESSIONARIAS DE RODOVIAS ABCR RÉU: ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SANTA CATARINA RÉU: Governador - ESTADO DE SANTA CATARINA - Florianópolis


RELATÓRIO


Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, proposta pela Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias - ABCR, em face da Lei n. 18.562, de 22 de dezembro de 2022, que "Dispõe sobre o dever de as concessionárias de serviços públicos que operam nas rodovias que cortam o território catarinense, sejam federais ou estaduais, fornecerem dispositivos eletrônicos de livre passagem por pedágios (tags e/ou outros sistemas) aos veículos das Polícias Civil e Militar, do Corpo de Bombeiros Militar, da Secretaria de Estado da Administração Prisional e Socioeducativa e da Polícia Científica, bem como às ambulâncias dos serviços públicos de saúde".
Preliminarmente, a autora sustenta ter legitimidade ativa ad causam, sob o argumento de que "é considerada entidade de classe" porque "figuram entre seus objetivos institucionais a promoção do setor brasileiro de concessões de rodovias e a defesa dos interesses de suas associadas" (evento 1, INIC1, p. 4).
No mérito, argúi que a norma ora sob análise é formalmente inconstitucional, seja porque são de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo as leis "que impactam na organização, gestão e execução de serviços públicos" (art, 50, § 2º, incs. II e IV, CESC-1989), seja "por configurar ingerência indevida do Estado na gestão dos serviços e atividades de infraestrutura federais" (evento 1, INIC1, p. 10), de modo a ofender o art. 12, inc. VI, da Constituição do Estado de Santa Catarina. Aponta, também, inconstitucionalidade material da lei, consubstanciada, segundo a autora, na ofensa aos princípios da separação dos poderes e da reserva de administração (arts. 32, 63, 71, inc. I, e 137, § 2º, da CESC-1989), no desrespeito ao ato jurídico perfeito, na agressão ao equilíbro econômico-financeiro dos contratos (arts. 17 e 137, § 2º, inc. II, da CESC-1989) e na violação da regra da proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito). Requer, por fim, a concessão de medida cautelar, por entender presentes os requisitos do fumus boni iuris e periculum in mora.
O Exmo. Sr. Governador do Estado de Santa Catarina prestou informações no ev. 24.
A Assembleia Legislativa, por sua vez, apresentou informações no ev. 27, nas quais defende a constitucionalidade da norma por entender que não há competência privativa do Chefe do Poder Executivo, porquanto a lei impugnada não trata da organização, gestão e execução de serviços públicos, mas apenas e tão somente dispõe sobre a viabilização de dispositivo que confere maior agilidade à prestação do serviço que vem sendo realizado por empresa concessionária de serviço público. Sustenta, ainda, que não a lei não gera ônus para as empresas concessionárias, pois já existe isenção das tarifas de pedágio para veículos oficiais concedida pela Resolução n. 3.916, de 18 de outubro de 2012, da Agência Nacional de Transportes Terrestres, de modo que ela não tem o condão de afetar o equilíbrio econômico financeiro do contrato.
A Procuradoria-Geral do Estado, no ev. 30, alega que a norma é constitucional, porquanto não trata da estrutura da Administração nem das atribuições de seus órgãos ou do regime jurídico de servidores públicos. Refere, também, que a lei impugnada não interfere na gestão de contratos administrativos, uma vez que tem por objetivo unicamente resguardar direito já previsto em resolução federal. Defende, ainda, que não houve ofensa ao princípio da reserva da administração nem violação à cláusula de reequilíbrio econômico-financeiro. Sustenta, também, que "não se constata qualquer mácula ou interferência ilegítima no âmbito das concessões federais, na medida em que o direito à livre passagem está expressamente previsto no art. 29, inc. VII, do CTB, e a isenção tarifária contemplada no art. 2º da Resolução nº 3916, de 18 de outubro de 2012, da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT)". Alega que não estão presentes os requisitos para concessão da medida cautelar.
A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Rui Carlos Kolb Schiefler (ev. 37), manifestou-se pela concessão da medida cautelar e, ao final, pela procedência da ação "para que seja declarada inconstitucional a Lei n. 18.562, de 21 de dezembro de 2022, do Estado de Santa Catarina, por violação aos artigos 12, inciso VI; 32, caput; 50, § 2º; 71, inciso IV, alínea 'a'; e 137, § 2º, inciso II, todos da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como ao princípio da proporcionalidade".

VOTO


1. De início, cumpre destacar que se adotou o rito do art. 12 da Lei n. 12.069/2001 e, diante das manifestações acostadas nos autos, a ação encontra-se em condições de julgamento do mérito, razão pela qual submeto-a diretamente ao Órgão Especial deste e. Tribunal.
2. A presente actio pretende ver declarada a inconstitucionalidade da Lei n. 18.562, de 22 de dezembro de 2022, que assim dispõe:
Art. 1º As concessionárias de serviços públicos que operam nas rodovias que cortam o Território catarinense, sejam federais ou estaduais, devem fornecer dispositivos eletrônicos de livre passagem por pedágios (tags e/ou outros sistemas) aos veículos das Polícias Civil e Militar, do Corpo de Bombeiros Militar, da Secretaria de Estado da Administração Prisional e Socioeducativa e da Polícia Científica, bem como às ambulâncias dos serviços públicos de saúde.
Art. 2º Para efetivação do disposto no art. 1º, será exarado ofício pelo órgão público responsável pelo veículo apto a receber o dispositivo eletrônico de livre passagem por pedágios a ser encaminhado às concessionárias de que trata o art. 1º, com cópia do Certificado de Registro e Licenciamento de Veículos (CRLV) anexada.
Parágrafo único. Quando se tratar de veículo locado a serviço do órgão público, deverá ser encaminhada, anexada ao ofício a que se refere o caput, a cópia do contrato de locação.
Art. 3º Para efeito de cumprimento do disposto no caput do art. 2º, a competência para exarar ofício autorizando a instalação de dispositivo eletrônico para livre passagem em pedágio dos veículos especificados nesta Lei será das seguintes autoridades:
I - Delegado-Geral da Polícia Civil;
II - Comandante-Geral da Polícia Militar;
III - Comandante-Geral do Corpo de Bombeiros Militar;
IV - Perito-Geral da Polícia Científica;
V - Secretário de Estado da Saúde; e
VI - Secretário de Estado da Administração Prisional e Socioeducativa.
Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
3. A Constituição do Estado de Santa Catarina (CESC) confere privativamente ao Governador do Estado a iniciativa de lei que trate de matérias expressamente enumeradas, como se observa do seu art. 50, § 2º, que cito:
Art. 50. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão da Assembleia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.
[...]
§ 2º São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que disponham sobre:
I - a organização, o regime jurídico, a fixação ou modificação do efetivo da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros, o provimento de seus cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva;
II - a criação de cargos e funções públicas na administração direta, autárquica e fundacional ou o aumento de sua remuneração;
III - o plano Plurianual, diretrizes orçamentárias e orçamento anual;
IV - os servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade, aposentadoria de civis, reforma e transferência de militares para a inatividade;
V - a organização da Procuradoria-Geral do Estado e da Defensoria Pública;
VI - a criação e extinção das Secretarias de Estado e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 71, IV.
E ela vai além ao dispor, na alínea "a" do inc. IV do art. 71, que cabe exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo a atribuição de dispor, mediante simples decreto, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos, sobre a organização e o funcionamento da administração estadual.
4. Não é demasiado ressaltar, aqui, que as rodovias dotadas de pedágio, sejam elas estaduais ou federais, compõem serviço público delegado à inciativa privada mediante concessão, de modo que, dispor sobre eles significa interferir no funcionamento da administração estadual. 
Sendo assim, a Lei n. 18.562, de 22 de dezembro de 2022, ao impor às concessionárias de rodovias a obrigação de fornecer "dispositivos eletrônicos de livre passagem", interfere no funcionamento da administração pública.
O Supremo Tribunal Federal já chancelou o entendimento de que são inconstitucionais as leis de iniciativa parlamentar que tratem de matéria reservada à administração, conforme julgados já trazidos pela Procuradoria-Geral de Justiça e dos quais agora cito as ementas:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 16.768/2018 DO ESTADO DE SÃO PAULO. PROCESSO LEGISLATIVO. VÍCIO DE INICIATIVA. LEI QUE DETERMINA A RETIRADA DAS CANCELAS DE TODAS AS PRAÇAS DE PEDÁGIO ADAPTADAS AO SISTEMA DE PEDÁGIO AUTOMÁTICO, EM TODAS AS RODOVIAS DO ESTADO. GESTÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS. MATÉRIA DE RESERVA DA ADMINISTRAÇÃO. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO (ARE 1245566 AgR, Relator(a): LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 03/03/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-058  DIVULG 13-03-2020  PUBLIC 16-03-2020).
DIREITO CONSTITUCIONAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. REPRESENTAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 5.127/2015. MUNICÍPIO DE VOLTA REDONDA. OBRIGATORIEDADE DE INSTALAÇÃO DE AR CONDICIONADO NOS VEÍCULOS DE TRANSPORTE COLETIVO MUNICIPAL. PROCESSO LEGISLATIVO. INICIATIVA PRIVATIVA. PODER EXECUTIVO. SERVIÇOS PÚBLICOS. 1. O Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que compete ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa de leis que interfiram na gestão de contratos de concessão de serviços públicos. 2. Inaplicável o art. 85, § 11, do CPC/2015, uma vez que não é cabível, na hipótese, condenação em honorários advocatícios. 3. Agravo interno a que se nega provimento, com aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015 (ARE 1075713 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 29/06/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-157  DIVULG 03-08-2018  PUBLIC 06-08-2018).
Não se diga que a norma "não trata da organização, gestão e execução de serviços públicos, mas apenas e tão somente dispõe sobre a viabilização de dispositivo que confere maior agilidade à prestação do serviço" (evento 27, INF1, p. 2), porquanto - a toda evidência - impor a obrigação de fornecer dispositivo de livre passagem interfere diretamente na forma como são executados os serviços públicos.
Recentemente este Órgão Especial já se deparou com caso semelhante, em que lei estadual de iniciativa parlamentar obrigava as concessionárias a aceitarem pagamento da tarifa por meio de cartão de crédito e a decisão foi a mesma que aqui se propõe. Veja-se:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL N. 18.168/2021. PAGAMENTO DA TARIFA DE PEDÁGIO POR MEIO DE CARTÃO DE DÉBITO OU CRÉDITO EM RODOVIAS NO ÂMBITO DO ESTADO DE SANTA CATARINA. (I) VÍCIO FORMAL. NORMA QUE INTERFERE NA GESTÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS, MESMO QUE PRESTADOS MEDIANTE CONTRATO DE CONCESSÃO. INICIATIVA DE LEI PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. PROCESSO LEGISLATIVO, NO ENTANTO, INAUGURADO POR DEPUTADO ESTADUAL. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 50, § 2º E 71, IV, "A", DA CESC, QUE GUARDAM CONSONÂNCIA COM O ART. 61, § 1º, II, DA CRFB. (II) VÍCIO MATERIAL. IMPLEMENTAÇÃO DA NOVA MODALIDADE DE PAGAMENTO QUE EXIGE INVESTIMENTOS POR PARTE DAS CONCESSIONÁRIAS. GRATUIDADE DO SERVIÇO, EM CASO DE RECUSA DO RECEBIMENTO DO VALOR PELO MEIO INSTITUÍDO, QUE PODE ENSEJAR PREJUÍZO. AFRONTA À GARANTIA DO EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DO CONTRATO, PREVISTO NO ART. 137, § 2º, II, DA CESC, BEM COMO AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA IGUALDADE, RESGUARDADOS TANTO NA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL QUANTO NA CARTA MAIOR. (III) AFASTAMENTO DOS EFEITOS REPRISTINATÓRIOS. (IV) MODULAÇÃO DE EFEITOS PARA DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE DOS DISPOSITIVOS A PARTIR DA DECISÃO LIMINAR.  (V) PRETENSÃO PROCEDENTE (TJSC, Direta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial) n. 5044754-64.2021.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Odson Cardoso Filho, Órgão Especial, j. 07-06-2023).
5. Evidenciado o vício de iniciativa, é de se notar que, como bem apontou o ilustre procurador de justiça (ev. 37), a única rodovia concedida à iniciativa privada, em Santa Catarina, é de jurisdição federal, pertencente, portanto, à União e não ao Estado, o que faz com que a norma impugnada, logo em seu artigo inaugural, invada competência privativa da União.
Além do mais, não poderia a norma impugnada dispor sobre rodovias federais, porquanto a Constituição do Estado de Santa Catarina dispõe, no inc. VI do seu art. 12, que "São bens do Estado" apenas "a rede viária estadual, sua infraestrutura e bens acessórios", enquanto a Constituição da República, na alínea "e" do inc. XII do seu art. 21, reserva à União "explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: [...] os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros".
Esse é o entendimento que se extrai do julgado do Supremo Tribunal Federal assim ementado:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS (ENERGIA ELÉTRICA E FORNECIMENTO DE ÁGUA) - INVASÃO, PELO ESTADO DE SANTA CATARINA, DA ESFERA DE COMPETÊNCIA DA UNIÃO E DOS MUNICÍPIOS - INDEVIDA INTERFERÊNCIA NAS RELAÇÕES JURÍDICO-CONTRATUAIS ENTRE O PODER CONCEDENTE FEDERAL OU MUNICIPAL E AS EMPRESAS CONCESSIONÁRIAS - COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO FEDERAL PARA LEGISLAR SOBRE ENERGIA (CF, ART. 22, IV) E PARA DEFINIR AS POLÍTICAS SETORIAIS QUE ORIENTAM A ATUAÇÃO DAS EMPRESAS PRESTADORAS DE SERVIÇOS DE ENERGIA ELÉTRICA (CF, ART. 21, XII, alínea "b") - EXISTÊNCIA DE REGULAMENTO SETORIAL ESPECÍFICO EDITADO PELA ENTIDADE REGULADORA COMPETENTE (A ANEEL, NO CASO), DISCIPLINANDO, DE MODO EXAURIENTE, AS REGRAS CONCERNENTES À SUSPENSÃO OU À INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA AO CONSUMIDOR INADIMPLENTE - VEDAÇÃO À INGERÊNCIA NORMATIVA DOS ESTADOS-MEMBROS NA ORGANIZAÇÃO DO SETOR ENERGÉTICO, A SER EXERCIDA, COM ABSOLUTA EXCLUSIVIDADE, PELA UNIÃO FEDERAL, QUE DETÉM COMPETÊNCIA PRIVATIVA PARA FISCALIZAR A EXECUÇÃO DOS SERVIÇOS, LEGISLAR SOBRE OS DIREITOS DOS USUÁRIOS, FIXAR A POLÍTICA TARIFÁRIA E DISCIPLINAR AS CONDIÇÕES DE REGULARIDADE, CONTINUIDADE, EFICIÊNCIA, SEGURANÇA, ATUALIDADE, GENERALIDADE E CORTESIA NA SUA PRESTAÇÃO (CF, ART. 175) -PAPEL CONSTITUCIONALMENTE ATRIBUÍDO À UNIÃO FEDERAL DE ASSEGURAR A TODOS OS USUÁRIOS, DE FORMA IGUALITÁRIA, AMPLO ACESSO AOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE ENERGIA ELÉTRICA, SEM INDEVIDAS INTERVENÇÕES DISCRIMINATÓRIAS PROMOVIDAS POR PROGRAMAS E PLANOS DE CARÁTER REGIONAL INCOMPATÍVEIS COM AS POLÍTICAS E DIRETRIZES DE ÂMBITO NACIONAL DEFINIDAS PELA UNIÃO - INVIABILIDADE DA ALTERAÇÃO, POR LEI ESTADUAL, DAS CONDIÇÕES PREVISTAS NA LICITAÇÃO E FORMALMENTE ESTIPULADAS EM CONTRATO DE CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS, SOB REGIME FEDERAL OU MUNICIPAL - MEDIDA CAUTELAR ANTERIORMENTE DEFERIDA PELO PLENÁRIO DESTA SUPREMA CORTE - REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO TEMA - PRECEDENTES - PARECER DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA PELA INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI ESTADUAL IMPUGNADA - AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTE. - A competência da União Federal no domínio do setor energético reveste-se de caráter exauriente (CF, art. 21, XII, "b", art. 22, IV, e art. 175). - A jurisprudência plenária do Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a manifesta inconstitucionalidade de diplomas legislativos de Estados-membros que, a pretexto de exercerem a sua competência suplementar em matéria de "consumo" (CF, art. 24, V) ou de "responsabilidade por dano (...) ao consumidor" (CF, art. 24, VIII), editam normas estaduais dirigidas às empresas prestadoras de serviços de energia elétrica, dispondo sobre direitos dos usuários e obrigações das concessionárias, usurpando, em consequência, a competência privativa outorgada à União Federal em tema de organização do setor energético (CF, art. 21, XII, "b", art. 22, IV, e art. 175) e intervindo, indevidamente, no âmbito das relações contratuais entre o poder concedente e as empresas delegatárias de tais serviços públicos. Precedentes. - Os Estados-membros não podem interferir na esfera das relações jurídico-contratuais estabelecidas entre o poder concedente (quando este for a União Federal ou o Município) e as empresas concessionárias nem dispõem de competência para modificar ou alterar as condições que, previstas na licitação, acham-se formalmente estipuladas no contrato de concessão celebrado pela União (energia elétrica - CF, art. 21, XII, "b") e pelo Município (fornecimento de água - CF, art. 30, I e V), de um lado, com as concessionárias, de outro, notadamente se essa ingerência normativa, ao determinar a suspensão temporária do pagamento das tarifas devidas pela prestação dos serviços concedidos (serviços de energia elétrica, sob regime de concessão federal, e serviços de esgoto e abastecimento de água, sob regime de concessão municipal), afetar o equilíbrio financeiro resultante dessa relação jurídico-contratual de direito administrativo. Precedentes (ADI 2337, Relator(a): CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 05/10/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-252  DIVULG 16-10-2020  PUBLIC 19-10-2020).
6. Uma vez considerado patente o vício formal de incompetência para legislar sobre rodovias federais, mesmo que concedidas à iniciativa privada, deve-se passar à análise da indicada violação do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão e do princípio da proporcionalidade, ambos garantidos pela Constituição do Estado, conforme se infere do seguinte dispositivo:
Art. 137. Ao Estado incumbe a prestação dos serviços públicos de sua competência, diretamente ou mediante delegação. (NR)
[...]
§ 2° A delegação assegurará ao concessionário ou permissionário as condições de prorrogação, caducidade, fiscalização e rescisão do contrato, garantidas:
[...]
II - política tarifária socialmente justa que assegure aos usuários o direito de igualdade, o melhoramento e expansão dos serviços, a justa remuneração do capital empregado e o equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
Aqueles que vieram aos autos para defender a constitucionalidade da norma ora impugnada certamente não tiveram em conta que, para operacionalizar as exigências dela, seriam necessários gastos. 
E não se trata, aqui, da mera gratuidade, já estabelecida por meio de resolução da ANTT, mas também, como alertou o douto parecerista, do investimento que as concessionárias teriam que fazer para comprar "tags (e/ou outros sistemas); montar receptores eletrônicos nos pedágios; elaborar esquema de fornecimento dos dispositivos; instalar a sinalização pertinente nas rodovias e realizar treinamento com os funcionários" (evento 37, PROMOÇÃO1, p. 12).
Bom lembrar que não está a se falar aqui apenas das cidades que margeiam as rodovias, mas também de veículos oficiais e de socorro médico que transitam por todo o Estado: pacientes que são transportados dos municípios de interior para centros urbanos com maior estrutura de saúde pública, por exemplo.
Não é demasiado ressaltar, e aqui novamente me socorro do brilhante parecer da PGJ, que "o Código de Trânsito Brasileiro (Lei Federal n. 9.503/1997), no seu artigo 29, inciso VII, já garante, além de prioridade no trânsito, livre circulação, estacionamento e parada dos veículos oficiais quando em serviço de urgência, de policiamento ostensivo ou de preservação da ordem pública - ainda que sem a utilização de tags ou similares" (evento 37, PROMOÇÃO1, p. 13).
Cito a Lei  n. 9.503-1997, para que não haja dúvida:
Art. 29. O trânsito de veículos nas vias terrestres abertas à circulação obedecerá às seguintes normas:
[...]
VII - os veículos destinados a socorro de incêndio e salvamento, os de polícia, os de fiscalização e operação de trânsito e as ambulâncias, além de prioridade no trânsito, gozam de livre circulação, estacionamento e parada, quando em serviço de urgência, de policiamento ostensivo ou de preservação da ordem pública, observadas as seguintes disposições:
a) quando os dispositivos regulamentares de alarme sonoro e iluminação intermitente estiverem acionados, indicando a proximidade dos veículos, todos os condutores deverão deixar livre a passagem pela faixa da esquerda, indo para a direita da via e parando, se necessário;      
b) os pedestres, ao ouvirem o alarme sonoro ou avistarem a luz intermitente, deverão aguardar no passeio e somente atravessar a via quando o veículo já tiver passado pelo local; 
c) o uso de dispositivos de alarme sonoro e de iluminação intermitente somente poderá ocorrer por ocasião da efetiva prestação de serviço de urgência;    
d) a prioridade de passagem na via e no cruzamento deverá se dar com velocidade reduzida e com os devidos cuidados de segurança, obedecidas as demais normas deste Código;
e) as prerrogativas de livre circulação e de parada serão aplicadas somente quando os veículos estiverem identificados por dispositivos regulamentares de alarme sonoro e iluminação intermitente; 
f) a prerrogativa de livre estacionamento será aplicada somente quando os veículos estiverem identificados por dispositivos regulamentares de iluminação intermitente;  
VIII - os veículos prestadores de serviços de utilidade pública, quando em atendimento na via, gozam de livre parada e estacionamento no local da prestação de serviço, desde que devidamente sinalizados, devendo estar identificados na forma estabelecida pelo CONTRAN;
A exigência de dispositivo específico para garantir a livre passagem, portanto, fere o princípio da proporcionalidade, já que o objetivo que se pretende alcançar com ele já é garantido por lei.
7. Não há, na hipótese, notícia da existência de normas anteriores a exigir que sejam afastados os efeitos repristinatórios, nem há a necessidade de se modular os efeitos desta decisão.
8. Ante o exposto, voto no sentido de julgar procedente a inicial para declarar inconstitucional a Lei Estadual n. 18.562, de 22 de dezembro de 2022, por violar os artigos 12, inc. VI, 17, caput, 50, § 2º, 71, inc. IV, alínea "a", e 137, § 2º, inc. II, da Constituição do Estado de Santa Catarina.

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Direta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial) Nº 5022515-95.2023.8.24.0000/SC



RELATOR: Desembargador ALEXANDRE D'IVANENKO


AUTOR: ASSOC BRASILEIRA DE CONCESSIONARIAS DE RODOVIAS ABCR RÉU: ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SANTA CATARINA RÉU: Governador - ESTADO DE SANTA CATARINA - Florianópolis


EMENTA


AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL N. 18.562-2022. NORMA DE INICIATIVA DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA QUE ESTABELECE ÀS CONCESSIONÁRIAS DE RODOVIAS FEDERAIS E ESTADUAIS A OBRIGAÇÃO DE FORNECEREM DISPOSITIVO DE LIVRE PASSAGEM A VEÍCULOS OFICIAIS E AMBULÂNCIAS DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE. VÍCIO DE INICIATIVA. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. RODOVIAS FEDERAIS QUE ESTÃO SOB JURISDIÇÃO DA UNIÃO. VÍCIO DE COMPETÊNCIA. OBRIGAÇÃO NÃO PREVISTA NO CONTRATO DE CONCESSÃO. ABALO AO EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DOS CONTRATOS COM A ADMINISTRAÇÃO. BENEFÍCIO DE LIVRE PASSAGEM JÁ GARANTIDO PELO CÓDIGO DE TRÂNSITO. INVESTIMENTO DESNECESSÁRIO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. INICIAL DEFERIDA. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA.

ACÓRDÃO


Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, o Egrégio órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, julgar procedente a inicial para declarar inconstitucional a Lei Estadual n. 18.562, de 22 de dezembro de 2022, por violar os artigos 12, inc. VI, 17, caput, 50, § 2º, 71, inc. IV, alínea "a", e 137, § 2º, inc. II, da Constituição do Estado de Santa Catarina, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 04 de outubro de 2023.

Documento eletrônico assinado por ALEXANDRE DIVANENKO, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 3682731v4 e do código CRC f05f02a5.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): ALEXANDRE DIVANENKOData e Hora: 4/10/2023, às 14:11:44

 

 










EXTRATO DE ATA DA SESSÃO ORDINÁRIA FÍSICA DE 04/10/2023

Direta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial) Nº 5022515-95.2023.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador ALEXANDRE D'IVANENKO

PRESIDENTE: Desembargador JOAO HENRIQUE BLASI
AUTOR: ASSOC BRASILEIRA DE CONCESSIONARIAS DE RODOVIAS ABCR ADVOGADO(A): BERNARDO STROBEL GUIMARÃES (OAB PR032838) ADVOGADO(A): CAIO AUGUSTO NAZARIO DE SOUZA (OAB PR089959) RÉU: ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SANTA CATARINA RÉU: Governador - ESTADO DE SANTA CATARINA - Florianópolis MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária Física do dia 04/10/2023, na sequência 2, disponibilizada no DJe de 18/09/2023.
Certifico que o Órgão Especial, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:O ÓRGÃO ESPECIAL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, JULGAR PROCEDENTE A INICIAL PARA DECLARAR INCONSTITUCIONAL A LEI ESTADUAL N. 18.562, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2022, POR VIOLAR OS ARTIGOS 12, INC. VI, 17, CAPUT, 50, § 2º, 71, INC. IV, ALÍNEA "A", E 137, § 2º, INC. II, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SANTA CATARINA. PRESENTE À SESSÃO, POR VIDEOCONFERÊNCIA, O DR. BERNARDO STROBEL GUIMARÃES DECLINOU DO PEDIDO DE SUSTENTAÇÃO ORAL.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador ALEXANDRE D'IVANENKO
Votante: Desembargador ALEXANDRE D'IVANENKOVotante: Desembargador SÉRGIO IZIDORO HEILVotante: Desembargador JOSÉ CARLOS CARSTENS KOHLERVotante: Desembargador JOAO HENRIQUE BLASIVotante: Desembargador JORGE LUIZ DE BORBAVotante: Desembargador ROBERTO LUCAS PACHECOVotante: Desembargador ALTAMIRO DE OLIVEIRAVotante: Desembargador SAUL STEILVotante: Desembargador GILBERTO GOMES DE OLIVEIRAVotante: Desembargador JÚLIO CÉSAR KNOLLVotante: Desembargador RUBENS SCHULZVotante: Desembargador FRANCISCO JOSÉ RODRIGUES DE OLIVEIRA NETOVotante: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFERVotante: Desembargador ANDRÉ LUIZ DACOLVotante: Desembargador DINART FRANCISCO MACHADOVotante: Desembargador SIDNEY ELOY DALABRIDAVotante: Desembargadora HILDEMAR MENEGUZZI DE CARVALHOVotante: Desembargador PEDRO MANOEL ABREUVotante: Desembargador LUIZ CÉZAR MEDEIROSVotante: Desembargador SÉRGIO ROBERTO BAASCH LUZVotante: Desembargador TORRES MARQUESVotante: Desembargador RICARDO FONTESVotante: Desembargador SALIM SCHEAD DOS SANTOSVotante: Desembargador JAIME RAMOS
GRAZIELA MAROSTICA CALLEGAROSecretária