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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 5000079-97.2019.8.24.0125 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Luiz Cézar Medeiros
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Quinta Câmara de Direito Civil
Julgado em: Tue Jul 04 00:00:00 GMT-03:00 2023
Classe: Apelação

 









Apelação Nº 5000079-97.2019.8.24.0125/SC



RELATOR: Desembargador LUIZ CÉZAR MEDEIROS


APELANTE: VIA LACTEA CONSULTORIA EMPRESARIAL LTDA (Sociedade) (AUTOR) ADVOGADO(A): JÔNATAS BATISTA (OAB SC025612) APELADO: EDIFICIO RESIDENCIAL IMPERIAL PALACE (RÉU) ADVOGADO(A): FLAVIO SPEROTTO (OAB SC021404)


RELATÓRIO


Por refletir fielmente o contido no presente feito, adoto o relatório da r. sentença (evento 77, SENT1, do primeiro grau):
"VIA LACTEA CONSULTORIA EMPRESARIAL LTDA. ajuizou a presente 'ação anulatória de assembleia condominial e impugnação de multa' em face de EDIFÍCIO RESIDENCIAL IMPERIAL PALACE, devidamente qualificados nos autos.
Narrou a parte autora que é condômina e proprietária da unidade condominial n. 00102, do FF1 do Condomínio Edifício Imperial Palace, situado em Itapema - SC, mas que se encontra descontente com a Assembleia Geral Ordinária realizada no dia 29-03-2019, quando se aprovou a vedação da locação por temporada por prazo inferior a 60 (sessenta) dias e a limitação de quantidade de pessoas por dormitório e/ou apartamento, bem como, consequentemente, inconformada com a multa recebida em 2/4/2019 por suposta infração de convenção de condomínio. Requereu, liminarmente, a suspensão dos efeitos normativos da ata da convenção do dia 29-03-2019 e da exigibilidade da multa aplicada e, ao final, a confirmação da tutela antecipatória.
O pedido de tutela provisória foi concedida no Ev. 9 para suspender parcela dos efeitos da ata da assembleia geral ordinária do dia 29/03/2019 do Edifício Residencial Imperial Palace, somente no que se refere à vedação da locação por prazo inferior a 60 (sessenta) dias.
O condomínio apresentou contestação no Ev. 54.  Alegou que, em nova reunião condominial de 6/5/2019, a imposição de prazo mínimo para contratos de aluguel foi revogada. Declarou que a multa aplicada contra a autora decorreu da locação do seu imóvel para mais de 10 pessoas de uma só vez, enquanto que o máximo permitido é de 8 pessoas por unidade. Defendeu a legalidade e razoabilidade na limitação da quantidade de pessoas por unidade. Ao final, requereu a extinção em relação ao pedido de nulidade da cláusula 5.1 da ata do condomínio, por falta de interesse processual, e a improcedência dos demais pedidos.
Houve réplica no Ev. 59.
Em derradeiras manifestações de Evs. 68 e 71, as partes não postularam pela produção de novas provas".
Acresço que o Togado a quo julgou parcialmente procedentes os pedidos, por meio da sentença cujo dispositivo segue transcrito:
"Ante o exposto, resolvendo o mérito da causa com fundamento no art. 487, inciso I, do CPC, julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados apenas para anular  a multa imposta pelo condomínio à autora (evento 1, OUT5), razão pela qual tal infração não poderá surtir qualquer efeito legal ou jurídico.
REVOGO a tutela de urgência concedida no Ev. 9.
Considerando a sucumbência recíproca, conforme art. 86, caput, do CPC, condeno a autora no pagamento de 70% das custas processuais e a parte ré no restante. Fixo os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa atualizado, nos moldes do art. 85, § 2º, do do CPC, devendo ser suportado pelas partes na mesma proporção estabelecida para as custas. Observada eventual concessão da gratuidade da justiça e consequente suspensão da exigibilidade (art. 98, § 3º, do CPC)".
Irresignada, VIA LACTEA CONSULTORIA EMPRESARIAL LTDA. interpôs apelação, na qual alegou, em síntese, que: a) "as deliberações condominiais não são apenas desconstituídas por irregularidade formal, elas também podem ser invalidadas quando confrontam com o ordenamento jurídico brasileiro"; b) no caso em apreço, a limitação do número de pessoas autorizadas a utilizar as unidades condominiais, sem qualquer estudo técnico ou justificativa plausível, "afronta o ordenamento jurídico, ex vi do artigo 1.228 do CC e artigo 19 da Lei n. 4.591/94, além de se mostrar desarrazoada e desproporcional", de modo que é medida de rigor o reconhecimento de sua ilegalidade; c) o fato de ter sido revogada no curso dos autos a deliberação condominial que vedava locações das unidades por prazo inferior a 60 dias não tem o condão de fulminar o interesse processual em obter a declaração judicial de ilegalidade da medida, notadamente porque a aventada revogação teria ocorrido de forma irregular; d) é necessária a redistribuição dos ônus sucumbenciais, pois, ainda que não providos os demais pedidos recursais, a parte autora sucumbiu em parte mínima da pretensão inicial; e) por fim, os honorários advocatícios devem ser fixados em quantia certa, dado o ínfimo valor atribuído à causa (evento 85, APELAÇÃO1, do primeiro grau).
Intimada (evento 88 do primeiro grau), a parte apelada apresentou contrarrazões, pugnando pelo desprovimento do recurso adverso (evento 90, CONTRAZAP2, do primeiro grau), com o que os autos ascenderam a esta Corte para julgamento.

VOTO


1 Presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade recursal, o reclamo merece ser conhecido, passando-se, desta forma, à respectiva análise.
2 Trata-se de recurso por intermédio do qual se discute o acerto da sentença que acolheu apenas em parte a pretensão autoral, anulando a multa imposta em seu desfavor pelo condomínio demandado, EDIFÍCIO RESIDENCIAL IMPERIAL PALACE.
No entender da condômina recorrente, os pedidos de reconhecimento da ilegalidade das disposições condominiais que estabeleceram a vedação de locação por prazo inferior a 60 dias e a limitação de número de ocupantes por apartamento também merecem acolhimento, pois aludidas definições afrontam o ordenamento jurídico vigente.
Com parcial razão a apelante.
2.1 Vedação à locação por prazo inferior a 60 dias
De início, registra-se que, a despeito de compreensão distinta da parte recorrente, não há reparos a se fazer na sentença que considerou prejudicado o pedido de anulação da disposição assemblear que estabeleceu como prazo mínimo para locação das unidades condominiais pertencentes ao EDIFÍCIO RESIDENCIAL IMPERIAL PALACE o período de 60 dias.
Malgrado aludida deliberação tenha sido firmada por maioria de votos na Assembleia Geral Ordinária realizada em 29.3.2019 (evento 7, ATA2) e estivesse vigente quando do ajuizamento da presente ação, no dia 30.4.2019, é certo que houve a perda superveniente do interesse processual em relação ao ponto, diante da informação de que o ato fora espontaneamente revogado quando da reunião da direção do condomínio, ocorrida no dia 6.5.2019 (evento 54, ANEXO2, ambos do primeiro grau).
Ora, é cediço que o interesse em obter determinado provimento jurisdicional figura como pressuposto processual indispensável da ação, a teor do dispõe o art. 17 do Código de Processo Civil, in verbis: "Para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade".
Sobre o interesse de agir, Joel Dias Figueira Júnior pontua:
 
"O interesse de agir é um outro requisito de validade da demanda, e, como tal, aparece no plano jurídico processual como afirmação hipotética do autor, referente a sua necessidade de obter a tutela jurisdicional do Estado à satisfação das pretensões deduzidas.
Assim, ao propor a demanda, ao lado dos demais requisitos das chama- das condições da ação, deverá o autor demonstrar o seu interesse de agir em juízo, sob pena de indeferimento liminar da peça [...].
Em outras palavras, 'é condição da ação o interesse de agir, consistente na necessidade de obter-se através do processo a proteção do seu interesse violado.
Para tanto, configura tal interesse a utilidade e a necessidade da tutela requerida como único meio de satisfazer a pretensão, à evidência de dano ou perigo de dano jurídico. Sendo a tutela jurisdicional desnecessária para o fim colimado, o autor é carecedor de ação, impondo-se a extinção do processo.' (TJSC, AC 96002400-0, Tubarão, Rel. Des. Pedro Manoel Abreu)' [...]
Assim, existindo, aparentemente ou não, os três requisitos, no momento da propositura da ação, e desaparecendo qualquer um deles no decorrer do processo ou vindo à tona a sua inexistência, torna-se manifesta a carência de ação; o inverso também é verdadeiro" (Comentários ao Código de Processo Civil: v. 4. tomo II. Do processo de conhecimento, arts. 282 a 331 [coordenação de Ovídio A. Baptista da Silva]. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 186/188) [sem grifo no original].
 
No caso em apreço, é evidente que a revogação do ato que a recorrente pretendia anular em juízo teve o condão de fulminar a necessidade e utilidade do provimento jurisdicional pretendido por ela.
E nem mesmo a alegação de que a revogação deixou de observar os critérios de formalidade adequados poderia levar a uma conclusão diversa daquela adotada pelo Juízo a quo, pois, a uma, não se vislumbra prejuízo direto à parte recorrente em virtude disso, e, a duas, como mencionado na origem, "não existem notícias de que tal proibição voltou a ser aplicada pelo condomínio" (evento 77, SENT1, do primeiro grau).
Assim, e porque, repete-se, tornou-se inexistente a deliberação que se pretendia declarar ilegal em juízo, é certo que não remanesce necessidade ou utilidade alguma no pronunciamento judicial acerca da temática.
A perda superveniente do objeto, nesse contexto, é notória e inarredável.
Mantém-se incólume, por conseguinte, este capítulo da sentença.
2.2 Limitação do número de ocupantes por unidade condominial
Noutro lado, a rejeição do pedido de declaração da ilegalidade do estabelecimento de número máximo de pessoas para utilização da unidade condominial inserida no condomínio demandando, de fato, merece ser revista.
As disposições internas acerca do tema questionadas pela parte autora/apelante, proprietária do apartamento n. 102 e da vaga de garagem dupla n. 20, pertencentes ao Condomínio Imperial Palace (evento 1, MATRIMÓVEL6 e evento 1, MATRIMÓVEL7, do primeiro grau), foram assim previstas no Regimento Interno:
 
"Art. 19. Os apartamentos destinam-se exclusivamente ao uso residencial e são estritamente familiares, devendo ser resguardado o recato e a dignidade compatíveis com a moralidade e os bons costumes.
Parágrafo único: Para o fim deste artigo e considerando a tipologia das edificações, fica estabelecido, com base no disposto nos artigos 19 e 20 da Lei nº 4.591/64, o máximo de moradores para ocupação dos apartamentos como sendo 02 (duas) pessoas por quarto, mais 02 (duas) pessoas por apartamento" (evento 1, OUT9, fl. 11, do primeiro grau) [sem grifo no original].
 
Por sua vez, quando da realização da Assembleia Geral Ordinária do dia 29.3.2019, os condôminos presentes estabeleceram o seguinte sobre aludida regra:
 
"5.2 Multa por Excesso de Pessoas: Após explanações, que deve ter como locação máxima de duas pessoas por dormitório e mais duas pessoas na área comum, e deliberam que se aplica o regimento interno nestes casos, ficando para primeira infração, o valor equivalente a metade da taxa de condomínio, e na segunda oportunidade, sequencial, o valor equivalente ao valor da taxa de condomínio" (evento 7, ATA2, fl. 4) [sem grifo no original].
 
Em que pese o Juízo a quo tenha considerado válidas as disposições em destaque "Primeiro porque não é questionada a regularidade formal da assembleia condominial e haja vista que a fixação de limite máximo de pessoas para utilização do imóvel se mostra razoável para preservar a ordem no edifício, sem que se limite desproporcionalmente o uso da propriedade" (evento 77, SENT1) não há como assentir com a conclusão adotada na origem.
Ora, ainda que, em regra, as disposições estabelecidas em convenções de condomínio, regimentos internos e assembleias gerais condominiais tenham caráter normativo e observância obrigatória, fazendo lei interna entre os condôminos, é certo que podem ser revistas pelo Poder Judiciário e consideradas nulas de pleno direito quando contrariarem norma legal impositiva.
Nesse sentido, haure-se dos ensinamentos de Sílvio de Salvo Venosa:
 
"O objetivo da convenção de condomínio é regular os direitos e deveres dos condôminos e ocupantes, a qualquer título, do edifício ou conjunto de edifícios. Trata-se da lei básica do condomínio. É ato normativo imposto a todos os condôminos presentes e futuros. [...] esse ato normativo pode decorrer de avença contratual, mas não é sua natureza primordial. [...] À partes cabe acrescentar o que lhes convier, desde que não contrarie a lei ou direito de cada titular.
[...]
A convenção pode incluir quaisquer outras disposições não conflitantes com a lei e seu espírito.
[...]
Como percebemos não existe plena liberdade dos interessados na elaboração da convenção. Há imposições cogentes. Desse modo, devem ser consideradas nulas as disposições da convenção, e consequentemente também no regulamento interno, que contrariem norma impositiva" (Código Civil Interpretado. 3ª ed. - São Paulo: Atlas, 2013. p. 1564 e 1568) [sem grifo no original].
 
A situação retratada no caso em apreço, na linha do que argumentado pela parte apelante, efetivamente revela a existência de limitação injustificada ao direito de propriedade e às garantias legais previstas em favor dos condôminos.
Com efeito, acerca do direito de propriedade, assim dispõe a Código Civil: "Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha" [sem grifo no original].
Adiante, ao tratar especificamente sobre as normas do condomínio edilício, previu o legislador civilista:
 
"Art. 1.335. São direitos do condômino:
I - usar, fruir e livremente dispor das suas unidades;
II - usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores;
III - votar nas deliberações da assembléia e delas participar, estando quite".
 
No mesmo rumo foram as normas previstas pela Lei n. 4.591/1964 sobre o tema:
 
"Art. 19. Cada condômino tem o direito de usar e fruir, com exclusividade, de sua unidade autônoma, segundo suas conveniências e interesses, condicionados, umas e outros às normas de boa vizinhança, e poderá usar as partes e coisas comuns de maneira a não causar dano ou incômodo aos demais condôminos ou moradores, nem obstáculo ou embaraço ao bom uso das mesmas partes por todos".
 
Ora, é certo que as disposições condominiais que limitam de forma genérica o número de usuários por unidade, sem demonstrar por meio de estudos técnicos eventual risco à estrutura predial ou outro perigo concreto em caso de inobservância do teto de pessoas previsto, ou seja, a existência de um justo motivo para flexibilização do direito de propriedade dos condôminos, tem o condão de obstar o livre uso, fruição e disposição do apartamento adquirido.
A conclusão ganha ainda mais relevo ao se considerar que a parte apelante, proprietária de unidade autônoma do condomínio apelado, narrou desde a peça inaugural que adquiriu o imóvel imbuída do interesse de auferir rendimentos com seus aluguéis e que não é rara a procura de locação por grupos de pessoas, sobretudo em período de alta temporada no litoral catarinense.
Nesse contexto, afigura-se bastante claro que o limite de ocupação das unidades estimado em "02 (duas) pessoas por quarto, mais 02 (duas) pessoas por apartamento", totalizando 12 indivíduos no caso do imóvel da recorrente, poderia impedi-la de dispor de seu bem de acordo com suas conveniências e interesses.
Ao abordar situação semelhante, já se posicionou este Tribunal de Justiça:
 
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO JURÍDICO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. DEFERIMENTO, NA ORIGEM, DA TUTELA DE URGÊNCIA ATINENTE À SUSPENSÃO DO ITEM 06 DA ATA DA ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA DO CONDOMÍNIO, QUE LIMITOU O NÚMERO DE OCUPANTES POR APARTAMENTO DURANTE AS LOCAÇÕES.   INSURGÊNCIA DO CONDOMÍNIO. ALEGAÇÃO DE VALIDADE DA LIMITAÇÃO E DE SOBERANIA DAS DECISÕES TOMADAS EM ASSEMBLEIA. INSUBSISTÊNCIA. DIREITO À PROPRIEDADE QUE, A DESPEITO DE NÃO SER ILIMITADO, EXIGE JUSTO MOTIVO PARA SER FLEXIBILIZADO. EXEGESE DO ART. 1.228, CAPUT, DO CÓDIGO CIVIL. AUSÊNCIA DE PROVA SUMÁRIA A RESPEITO DOS PREJUÍZOS QUE VEM SENDO CAUSADOS PELOS INQUILINOS DOS AUTORES. RESTRIÇÃO, ADEMAIS, QUE DISCRIMINA CERTO GRUPO DE PROPRIETÁRIOS. INADMISSIBILIDADE. POSSIBILIDADE DE SE DESCONSTITUIR DECISÕES CONDOMINIAIS QUANDO EM CONFRONTO COM O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. PROBABILIDADE DO DIREITO E PERIGO DE DANO PRESENTES. INTELIGÊNCIA DO ART. 300, CAPUT, DO CPC/2015.Preponderam, ao menos neste momento processual, os direitos individuais dos proprietários em usar, gozar e dispor da sua unidade em detrimento do que foi aprovado em assembleia condominial, mormente porque não se denota dano à coletividade no simples fato de se permitir a locação para 20 (vinte) ao invés de 12 (doze) pessoas, no apartamento dos agravados, como já vinha ocorrendo e, ao que tudo indica, não confere risco ao edifício.   RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO" (AI n. 4000879-03.2017.8.24.0000, Des. Rubens Schulz) [sem grifo no original].
 
Convém ressaltar que não se descuida que, no caso concreto, alvitrou o condomínio demandado/apelado que as unidades autônomas, consoante previsão do art. 4º, da Convenção do Condominial, "destinam-se a fins exclusivamente residenciais unifamiliares, sendo vedado o seu uso como habitação coletiva", de modo que a inobservância ao limite de pessoas previsto no Regimento Interno poderia alterar a destinação admitida, denotando, inclusive, a exploração comercial do imóvel.
A tese, no entanto, não prospera, pois não há como afirmar que a simples reunião de mais de 12 pessoas descaracterize o contexto familiar do grupo.
Demais disso, tampouco há de se cogitar que as locações com essas características, destinadas à prática de lazer e residência temporária de locatários, escopo de notável interesse da condômina apelante, teriam, por si só, o condão de alterar a destinação residencial das unidades autônomas, mormente ao se considerar que se trata de espécie locativa de imóvel urbano expressamente prevista em lei própria (Lei n. 8.245/1991, arts. 48 e seguintes).
Nesse sentido, aliás, já se manifestou este Órgão Fracionário:
 
"APELAÇÃO CÍVEL. CONDOMÍNIO EDILÍCIO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO JURÍDICO. INTENÇÃO DE REVOGAÇÃO DE NORMA CONDOMINIAL. PROIBIÇÃO DA LOCAÇÃO POR APLICATIVOS/DIÁRIA E/OU POR TEMPORADA. QUESTÃO ALTERADA POSTERIORMENTE EM ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA. PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. INSURGÊNCIA DO CONDOMÍNIO RÉU. ALEGAÇÃO DE QUE TAL PRÁTICA DESNATURA A DESTINAÇÃO RESIDENCIAL, FAMILIAR E DE MORADIA DO EDIFÍCIO, ALÉM DE CAUSAR TRANSTORNOS E INSEGURANÇAS AOS DEMAIS CONDÔMINOS. INSUBSISTÊNCIA. OFENSA AO DIREITO INDIVIDUAL DE USO, FRUIÇÃO E LIVRE DISPOSIÇÃO DA PROPRIEDADE. TIPO DE LOCAÇÃO QUE, ALÉM DE NÃO MODIFICAR A FINALIDADE DO CONDOMÍNIO, ENCONTRA FUNDAMENTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO. EXEGESE DA LEI N. 8.245/1991. UTILIZAÇÃO IRREGULAR DA PROPRIEDADE, ADEMAIS, QUE PODERÁ CULMINAR EM ADVERTÊNCIAS, MULTAS E DEMAIS SANÇÕES. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO" (AC n. 0314285-80.2018.8.24.0023, Des. Jairo Fernandes Gonçalves) [sem grifo no original].
 
Em acréscimo, há de se registrar que não merece melhor sorte a alegação defensiva de que a limitação do número de pessoas por apartamento também é possível por ir ao encontro dos deveres legais impostos aos condôminos, no sentido de zelar pelo sossego, salubridade e segurança da coletividade.
Ora, de fato, tanto o Diploma Civilista, em seu art. 1.336, inc. IV, quanto a Lei n. 4.591/1964, em seu art. 10, inc. III, preveem deveres e vedações aos condôminos, a fim de que a destinação de suas unidades se dê de maneira consentânea à finalidade da edificação e ao bem comum dos demais usuários delas.
Ocorre que não há como considerar, em abstrato, que a mera utilização das unidades em número superior ao de 2 pessoas por quarto, acrescido de mais 2 pessoas por apartamento, possa, por si só, ser efetivamente prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos demais condôminos, ou mesmo aos bons costumes.
Até mesmo porque há previsões legais expressas nos referidos diplomas (CC, arts. 1.336, § 2º, e 1.337; Lei n. 4.591/1964, art. 10, § 1º, e arts. 20 e 21), bem como nas normativas internas (art. 52 da Convenção Condominial), de que em caso de inobservância das obrigações e deveres gerais de boa conduta pelos condôminos e demais ocupantes do imóvel (estes a qualquer título), é cabível a incidência de multas e penalidades.
Assim, é imperativo reconhecer que as justificativas apresentadas pelo condomínio apelado para defender a regularidade da imposição de limite de ocupação às unidades autônomas nele inseridas não têm o condão de prosperar, uma vez que violam, em linhas genéricas e sem justo motivo, o direito de propriedade dos condôminos.
Diante desse cenário, considerando a notória ilegalidade da limitação do número de ocupantes por unidade condominial do condomínio demandado, prevista no art. 19, parágrafo único do Regimento Interno do Condomínio demandando, bem como a incidência de multa em caso de excesso estabelecida no item 5.2 da Assembleia Geral Ordinária do dia 29.3.2019, é medida de rigor a reforma da sentença, a fim de declarar a nulidade dos referidos atos jurídicos questionados.
3 Com a parcial reforma da sentença, é imperativa a redistribuição dos ônus sucumbenciais.
Assim, levando-se em conta que a parte autora foi vencedora na maior parte dos pedidos postulados, bem assim que foi o condomínio demandado quem deu causa à ação, mesmo em relação ao pedido considerado prejudicado, é imperativo que este arque com a integralidade das custas processuais e honorários advocatícios, a teor do que dispõe o art. 86, parágrafo único, em combinação com o art. 85, § 10, ambos do Código de Processo Civil.
Já em atenção do § 2º do art. 85 do Diploma Adjetivo, fixa-se a verba honorária em favor dos patronos da demandante em 15% (quinze por cento) do valor atualizado da causa, uma vez que condenação não houve e não há como mensurar adequadamente o proveito econômico obtido com o reconhecimento da nulidade das disposições internas questionadas.
Demais disso, impossível se aplicar o disposto no § 8º da referida disposição legal, porquanto o valor de R$ 70.000,00  atribuído à causa não pode ser considerado irrisório, conforme argumentado pela apelante.
O percentual adotado, por sua vez, leva em conta o tempo de tramitação da demanda e a quantidade de atos praticados, de modo a se revelar suficiente à remuneração pelos serviços advocatícios prestados.
4 Ante o exposto, voto por conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento para reconhecer a ilegalidade da limitação do número de ocupantes por unidade condominial do condomínio demandado, declarando nula a disposição dessa natureza prevista no art. 19, parágrafo único do Regimento Interno do Condomínio demandando, bem como a incidência de multa em caso de excesso estabelecida no item 5.2 da Assembleia Geral Ordinária do dia 29.3.2019, e, em consequência, redistribuir os ônus sucumbenciais, condenando a parte ré a pagar a totalidade das custas e honorários sucumbenciais de 15% por cento do valor atualizado da causa.

Documento eletrônico assinado por LUIZ CÉZAR MEDEIROS, Desembargador Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 3629644v66 e do código CRC d2e9981c.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): LUIZ CÉZAR MEDEIROSData e Hora: 5/7/2023, às 20:36:32

 

 












Apelação Nº 5000079-97.2019.8.24.0125/SC



RELATOR: Desembargador LUIZ CÉZAR MEDEIROS


APELANTE: VIA LACTEA CONSULTORIA EMPRESARIAL LTDA (Sociedade) (AUTOR) ADVOGADO(A): JÔNATAS BATISTA (OAB SC025612) APELADO: EDIFICIO RESIDENCIAL IMPERIAL PALACE (RÉU) ADVOGADO(A): FLAVIO SPEROTTO (OAB SC021404)


EMENTA


PROCESSUAL CIVIL - PEDIDO DE ANULAÇÃO DE DISPOSIÇÃO DE ASSEMBLEIA CONDOMINIAL - VEDAÇÃO DE LOCAÇÃO POR PRAZO INFERIOR A 60 DIAS - REVOGAÇÃO NO CURSO DA LIDE - PERDA SUPERVENIENTE DO INTERESSE PROCESSUAL - CPC, ART. 17 - PREJUDICIALIDADE - OCORRÊNCIA - MANUTENÇÃO
Nos termos do disposto no art. 17 do Código de Processo Civil, para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade.
A revogação de ato jurídico interno reputado ilegal, posteriormente ao ajuizamento da demanda proposta com o objetivo de anulá-lo, gera a prejudicialidade do pedido formulado, por evidente perda superveniente do interesse processual.
CIVIL - CONDOMÍNIO EDILÍCIO - REGIMENTO INTERNO - LIMITAÇÃO DE NÚMERO DE OCUPANTES POR APARTAMENTO - PREVISÃO DE MULTA EM CASO DE EXCESSO - ESTABELECIMENTO EM ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA - SOBERANIA DAS DECISÕES INTERNAS - PONDERAÇÃO - DIREITO DE PROPRIEDADE - USO, FRUIÇÃO E LIVRE DISPOSIÇÃO DA UNIDADE CONDOMINIAL - CC, ARTS. 1.228, CAPUT, E 1.335, INC. I - OFENSA CARACTERIZADA - ILEGALIDADE - NULIDADE DOS ATOS JURÍDICOS VIOLADORES DE DIREITOS INDIVIDUAIS - OCORRÊNCIA -  REFORMA DA SENTENÇA
1 Em que pese, em regra, as disposições estabelecidas em convenção de condomínio, regimento interno e assembleias gerais condominiais tenham caráter normativo e observância obrigatória, fazendo lei interna entre os condôminos, podem ser consideradas nulas de pleno direito quando contrariarem norma legal impositiva.
2 No caso de disposição interna que limita o número de usuários por unidade condominial, sem demonstrar por meio de estudos técnicos eventual risco à estrutura predial em caso de inobservância do número teto previsto, ou seja, a existência de justo motivo para flexibilização do direito de propriedade e, por consequência, do livre uso, fruição e disposição do apartamento, é notória sua ilegalidade, podendo ser afastada por decisão judicial.

ACÓRDÃO


Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento para reconhecer a ilegalidade da limitação do número de ocupantes por unidade condominial do condomínio demandado, declarando nula a disposição dessa natureza prevista no art. 19, parágrafo único do Regimento Interno do Condomínio demandando, bem como a incidência de multa em caso de excesso estabelecida no item 5.2 da Assembleia Geral Ordinária do dia 29.3.2019, e, em consequência, redistribuir os ônus sucumbenciais, condenando a parte ré a pagar a totalidade das custas e honorários sucumbenciais de 15% por cento do valor atualizado da causa, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 04 de julho de 2023.

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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 04/07/2023

Apelação Nº 5000079-97.2019.8.24.0125/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ CÉZAR MEDEIROS

PRESIDENTE: Desembargador LUIZ CÉZAR MEDEIROS

PROCURADOR(A): ANGELA VALENCA BORDINI
APELANTE: VIA LACTEA CONSULTORIA EMPRESARIAL LTDA (Sociedade) (AUTOR) ADVOGADO(A): JÔNATAS BATISTA (OAB SC025612) APELADO: EDIFICIO RESIDENCIAL IMPERIAL PALACE (RÉU) ADVOGADO(A): FLAVIO SPEROTTO (OAB SC021404)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual do dia 04/07/2023, na sequência 7, disponibilizada no DJe de 19/06/2023.
Certifico que a 5ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 5ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO PARA RECONHECER A ILEGALIDADE DA LIMITAÇÃO DO NÚMERO DE OCUPANTES POR UNIDADE CONDOMINIAL DO CONDOMÍNIO DEMANDADO, DECLARANDO NULA A DISPOSIÇÃO DESSA NATUREZA PREVISTA NO ART. 19, PARÁGRAFO ÚNICO DO REGIMENTO INTERNO DO CONDOMÍNIO DEMANDANDO, BEM COMO A INCIDÊNCIA DE MULTA EM CASO DE EXCESSO ESTABELECIDA NO ITEM 5.2 DA ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA DO DIA 29.3.2019, E, EM CONSEQUÊNCIA, REDISTRIBUIR OS ÔNUS SUCUMBENCIAIS, CONDENANDO A PARTE RÉ A PAGAR A TOTALIDADE DAS CUSTAS E HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS DE 15% POR CENTO DO VALOR ATUALIZADO DA CAUSA.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador LUIZ CÉZAR MEDEIROS
Votante: Desembargador LUIZ CÉZAR MEDEIROSVotante: Desembargador RICARDO FONTESVotante: Desembargador JAIRO FERNANDES GONÇALVES
ROMILDA ROCHA MANSURSecretária