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TJSC Jurisprudência Catarinense
Processo: 0085645-90.2019 (Acordão do Conselho da Magistratura)
Relator: João Henrique Blasi
Origem: Itajaí
Orgão Julgador:
Julgado em: Tue Jun 15 00:00:00 GMT-03:00 2021
Classe: Recurso Administrativo

 

ACÓRDÃO



Recurso Administrativo n. 0085645-90.2019.8.24.0710, da Comarca de Itajaí



Relator: Des. João Henrique Blasi   



RECURSO ADMINISTRATIVO. SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA. INTEGRALIZAÇÃO DE CAPITAL SOCIAL POR MEIO DE IMÓVEIS. NÃO EFETIVAÇÃO DO REGISTRO DO TÍTULO TRANSLATIVO NO CARTÓRIO IMOBILIÁRIO. FALECIMENTO DO SÓCIO PROPRIETÁRIO DO BEM. PRETENDIDA TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA. DIREITO SUCESSÓRIO. NECESSIDADE DE INVENTÁRIO. DECISÃO RECORRIDA CONFIRMADA. RECURSO DESPROVIDO.   



              Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Administrativo n. 0085645-90.2019.8.24.0710, da comarca de Itajaí, em que é recorrente Franzoi e Correia Participações Ltda. e recorrido Oficial Designado para o 1º Ofício de Registro de Imóveis da mesma comarca:



              O Conselho da Magistratura decidiu, por votação unânime, negar provimento ao recurso.



              O julgamento, realizado no dia 14 de junho de 2021, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Ricardo José Roesler e dele participaram os Excelentíssimos Senhores Desembargadores João Henrique Blasi (Relator), Soraya Nunes Lins, Roberto Lucas Pacheco, Carlos Adilson Silva, Volnei Celso Tomazini, Hélio do Valle Pereira, Dinart Francisco Machado, Júlio César Machado Ferreira de Melo, José Agenor de Aragão e Salim Schead dos Santos.



              Funcionou como representante do Ministério Público o Excelentíssimo Senhor Procurador de Justiça Mário Luiz de Melo.



              Florianópolis, 14 de junho de 2021  



RELATÓRIO



              Cuida-se de suscitação de dúvida deflagrada pelo Oficial Designado para responder pelo 1º Ofício de Registro de Imóveis da comarca de Itajaí, a pedido da empresa Franzoi & Correia Participações Ltda.



              O encadeamento fático narrado nos autos indica que, por força de alteração contratual da reportada sociedade empresarial, foi promovida a integralização de parte do capital social feita por Aducci Correa, em 31.10.2016, por meio de um terreno com 6.030,15m2 (matrícula n. 6405), que se apresentava dividido por via pública, caracterizando, de fato, duas glebas.  



              Remanesceram, por conta da expropriação amigável levada a cabo, duas áreas individualizadas de propriedade do referido Aducci Correa: uma com 2.214,50m2 (matrícula n. 61.856) e outra de 995,12 m2 (matrícula n. 61.857).



              A escritura de desapropriação restou lavrada em 6.11.2017 e averbada em 14.8.2019.



              Como a alteração contratual efetivada em 31.10.2016 não apontava com precisão a metragem dos imóveis integralizados como capital, os quais, posteriormente, receberam as matrículas ns. 61.856 e 61.857, a empresa suscitada promoveu outras alterações contratuais para corrigir e adequar essa identificação dos terrenos, sendo a última delas objeto do título agora submetido ao registro imobiliário.



              Sucede que, em 24.11.2017, ocorreu o falecimento de Aducci Correia e o Cartório, que havia determinado fosse colhida a assinatura dele, ao ter notícia do óbito, passou a exigir a apresentação do inventário.



              A sociedade empresarial contrapõe-se, aduzindo, em epítome, que a alteração contratual promoveu a integralização de dois terrenos inicialmente descritos com precárias informações quanto às suas dimensões, mas que depois foram individualizados com precisão (matrículas ns. 61.856 e 61857). Pondera, ainda, ter buscado corrigir aquela imprecisão inicial de metragem pelas 2ª, 3ª, 4ª e 5ª alterações contratuais, a última delas datada de 4/7/2019, objeto do registro em tela. Sustenta, enfim, que a exigência cartorial aqui profligada é descabida porque "a integralização de capital ocorreu em 31/10/2016, por meio da 1ª Alteração Contratual da empresa Requerente. Por sua vez, o Sr. Aducci se retirou da sociedade em 25/05/2017, conforme 2ª Alteração Contratual 2017, oportunidade em que deixou para a empresa Requerente. Já o falecimento do Sr. Aducci Correia ocorreu em 24/11/2017" (2719029).



              A sentença julgou procedente a suscitação de dúvida para manter a exigência feita pelo Registro de Imóveis (5172989) e, na sequência, aportou recurso ponderando que (i) a certidão da alteração contratual da sociedade empresarial é documento hábil para a transferência no Registro Público; (ii) tendo havido a integralização do capital social, a transferência do imóvel opera-se com a sua tradição; e (iii)  não há dúvida quanto a que o imóvel foi transferido para a empresa (5405100).



              Pelo Ministério Público exarou parecer o Procurador de Justiça Murilo Casemiro Mattos que opinou pela manutenção da decisão recorrida (5526146).



              É, no essencial. o relatório. 



VOTO



              A destacar, isagogicamente, que em relação ao imóvel dado como integralização do capital social avultavam,  de início, algumas irregularidades, como a imprecisão acerca de suas dimensões e o fato de existir uma via pública, não regularizada, dividindo-o em duas glebas. 



              Por isso, naquele momento não se operou a transferência registral do imóvel, sobrevindo, na sequência, o falecimento do responsável pela integralização (Aducci Correia).



              A decisão recorrida enfrentou a matéria com precisão ao explicitar o seguinte:



Na espécie, a Suscitada pretende o registro da integralização de capital social efetuada por Aducci Correia, já falecido, em seu favor.



Ocorre que a questão não é tão simples quanto parece e vai muito além do âmbito dos Registros Públicos.



Trata-se, sim, de questão que envolve direito sucessório. Isso porque a simples previsão no contrato social de transferência de imóveis para fins de integralização do capital social da pessoa jurídica, ainda que averbada perante a Junta Comercial, não tem o condão de transferir a propriedade. Em se tratando de imóveis, como no caso dos autos, a incorporação dos bens à sociedade empresarial deve observar os ditames do artigo 1.245 do Código Civil, que dispõe: transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no registro de imóveis".



Neste sentido, é o precedente do Superior Tribunal de Justiça:  



RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIROS. PRETENSÃO DE SOCIEDADE EMPRESÁRIA, NA CONDIÇÃO DE TERCEIRA, DE AFASTAR A CONSTRIÇÃO JUDICIAL DETERMINADA EM AÇÃO EXECUTIVA QUE RECAIU SOBRE TRÊS IMÓVEIS, OBJETO DE INTEGRALIZAÇÃO DE SEU CAPITAL SOCIAL. AUSÊNCIA DE REGISTRO DO TÍTULO TRANSLATIVO NO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS EM RELAÇÃO A DOIS IMÓVEIS. BENS QUE NÃO FORAM INCORPORADOS AO PATRIMÔNIO DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA E TAMPOUCO ENCONTRAM-SE EM SUA POSSE. ILEGITIMIDADE ATIVA 'AD CAUSAM'. RECONHECIMENTO. TRANSFERÊNCIA DE UM DOS IMÓVEIS APÓS A AVERBAÇÃO DA AÇÃO EXECUTIVA. FRAUDE À EXECUÇÃO. OCORRÊNCIA. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. 
 1. A estipulação prevista no contrato social de integralização do capital social por meio de imóvel indicado pelo sócio, por si, não opera a transferência de propriedade do bem à sociedade empresarial. De igual modo, a inscrição do ato constitutivo com tal disposição contratual, no Registro Público de Empresas Mercantis, a cargo das Juntas Comercias, não se presta a tal finalidade. 1.1 
A integralização do capital social da empresa pode se dar por meio da realização de dinheiro ou bens móveis ou imóveis, havendo de se observar, necessariamente, o modo pelo qual se dá a transferência de titularidade de cada qual. Em se tratando de imóvel, como se dá no caso dos autos, a incorporação do bem à sociedade empresarial haverá de observar, detidamente, os ditames do art. 1.245 do Código Civil, que dispõe: 'transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis'. 1.2 O registro do título translativo no Registro de Imóveis, como condição imprescindível à transferência de propriedade de bem imóvel entre vivos, propugnada pela lei civil, não se confunde, tampouco pode ser substituído para esse efeito, pelo registro do contrato social na Junta Comercial, como sugere a insurgente. 1.3 A inscrição do contrato social no Registro Público de Empresas Mercantis, a cargo das Juntas Comercias, destina-se, primordialmente, à constituição formal da sociedade empresarial, conferindo-se-lhe personalidade jurídica própria, absolutamente distinta dos sócios dela integrantes. 
 2. 
Explicitadas, nesses termos, as finalidades dos registros em comento, pode-se concluir que o contrato social, que estabelece a integralização do capital social por meio de imóvel indicado pelo sócio, devidamente inscrito no Registro Público de Empresas Mercantis, não promove a incorporação do bem à sociedade; constitui, sim, título translativo hábil para proceder à transferência da propriedade, mediante registro, perante o Cartório de Registro de Imóveis em que se encontra registrada a matrícula do imóvel. 
 3. Os embargos de terceiro consubstanciam a via processual adequada àquele que, não sendo parte no processo, tenha por propósito afastar a contrição judicial que recaia sobre o bem do qual seja titular ou que exerça a correlata posse. Especificamente em relação aos imóveis, objeto das Matrículas n. 90.219 e 90.220, a recorrente não ostenta a qualidade de proprietário, tampouco de possuidor, conforme expressamente consignou o Tribunal de origem, o que evidencia sua ilegitimidade ativa ad causam. 
 4. A transferência da propriedade de bem imóvel rural (de Matrícula n. 1.129) à sociedade empresária recorrente deu-se em momento posterior à averbação da ação executiva no Registro de Imóveis, de que trata o art. 615-A, do CPC/1973, a ensejar a presunção absoluta de que tal alienação deu-se em fraude à execução, afigurando-se de toda inapta à produção de efeitos em relação ao credor/exequente. 
 5. Recurso especial improvido. (REsp 1743088/PR, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/03/2019, DJe 22/03/201
- grifei).  



No caso concreto, o falecido Aducci Correia, em 31.10.2016, realizou operação de integralização de capital social, com registro na Junta Comercial do Estado de Santa Catarina. Ocorre que, em 24.11.2017, ele veio a falecer e os imóveis prometidos à Suscitada para integralização do capital permaneceram registrados em nome do de cujus, não se havendo falar em transferência da propriedade imobiliária, portanto.



Com a morte de Aducci Correia, houve a abertura da sucessão, com a transmissão da herança aos herdeiros legítimos e testamentários, estando nela incluídos os imóveis em tela, visto que a propriedade deles ainda pertence ao Falecido.



Assim é que a questão deve mesmo ser resolvida no Juízo do Inventário, tal como defende o Suscitante. Por ora, não há como se proceder o registro da integralização do capital social efetuada por Aducci Correia, sem a regularização da propriedade dos bens junto ao Juízo do Inventário.



Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a presente Suscitação de Dúvida e mantenho a exigência do OFICIAL DESIGNADO PARA O 1º OFÍCIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS desta Comarca, no sentido de que é necessária ordem judicial advinda dos autos do inventário nº 0312822-94.2017.8.24.0005, em curso na Vara da Família, Órfãos e Sucessões da comarca de Balneário Camboriú, para fins de possibilitar o registro pretendido. (5172989)



              Por certo, o contrato social estabelecedor da integralização de capital por meio de bens imóveis de sócio, devidamente acolitado pela Junta Comercial, constitui-se em título translativo, apto, portanto, a transferir o bem, no Registro Imobiliário, à pessoa jurídica destinatária. In casu, todavia, isto não se perfectibilizou ante o precedente falecimento do sócio Aducci Correia, em nome de quem a propriedade dos imóveis permanece registrada.



              E, como consta do precedente do Superior Tribunal de Justiça acima invocado e transcrito por sua ementa (REsp 1.743.088/PR), o contrato social, mesmo registrado na Junta Comercial, não se presta, por si só, para viabilizar a transferência de bem imóvel no Registro Imobiliário, o que só se dá de acordo com a liturgia fixada pelo art. 1.245 do Código Civil. In verbis:



Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.



              Dito de outro modo, a transferência de imóveis para a sociedade empresarial, a título de integralização do capital social, "não prescinde do registro para transmissão do domínio" (AgRg no REsp 703419/DF, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, j. 2.4.2013), transmissão esta que, como visto, deve operar-se no Registro de Imóveis.



              Dessa forma, como a efetiva propriedade dos imóveis em questão não foi transferida para a sociedade empresarial recorrente, verificado o óbito de quem a titularizava (Aducci Correia), houve a abertura da sucessão e, consequentemente, os bens do autor da herança, dentre eles os terrenos objeto destes autos, estão por ela abarcados, de modo a reclamar a regularização da propriedade em sede de inventário.



              Alfim, invoco as preciosas considerações do Oficial Designado, referendadas no parecer exarado pelo representante do Ministério Público. Ei-las:  



[...] como bem consignou o Oficial Designado para o 1º Ofício de Registro de Imóveis da Comarca da Capital, ora apelado, em suas contrarrazões, "ainda que tenha o senhor Aducci, por meio do contrato social devidamente assentado na junta comercial, se comprometido a integralizar tais imóveis ao patrimônio da Apelante enquanto ainda vivo, permaneceram eles registrados em seu nome perante o fólio imobiliário. [...] E remanescendo tais bens em sua propriedade quando de seu falecimento, restaram automaticamente transferidos aos seus demais herdeiros em razão do princípio da 'saisine' insculpido no art. 1.784 do Código Civil, daí porque a necessidade de tal questão ser dirimida dentro do seu inventário, que ou determinará sua partilha, ou, então, e se assim entender, autorizará, certamente depois de ouvidos os interessados, a transmissão pretendida pela Apelante" (pág. 119). (5526146)



              Ante tais considerações impõe-se manter a decisão recorrida, desprovendo-se o recurso interposto.



              É como voto.